terça-feira, 25 de outubro de 2011

Para refletir

Penso que metade dos problemas que afligem nossa organização político-eleitoral deve-se aos caprichos do “Sistema”. A outra, metade deve-se, suponho, a sorte – ou a falta dela...
O Sistema é o produto da vontade soberana de uma elite que zela, incansavelmente, por seus próprios interesses. E recorre a conteúdos científicos e a conectividades técnicas para vestir-se de razão e paixão em prol das conveniências, das vantagens e dos desideratos  que perpetuam os semelhantes no Poder.
O Sistema alimenta-se de suas próprias vísceras em um acordo oficial de perenidade.
Quer e sabe que sua continuidade só depende de si mesmo. O Sistema é a suprema consagração da mesma coisa sempre.
Como quebrar essa hegemonia? De que maneira conseguiremos interromper esse ciclo? Pela legalidade? – Impossível pois tudo o que o Sistema faz ou autoriza está plenamente legal ou foi estrategicamente legalizado.
E será quixotesco imaginar que dessa substância (status - quo político – administrativo) explodam químicas capazes de modificar, essencialmente, a situação.
O que há são movimentos de cena, mudanças formais, ajustes processuais que só ajudam a rejuvenescer o esquema de sempre.
Revolução? – Onde? Quando? Com quem?
O povo tem a senha para revolucionar?
Saberá clicar nos ícones certos? Sabe o que, de fato, quer detonar? E depois, faz idéia do que colocar no espaço detonado?
Questões...  muitas questões...
Mas há tempo para pensar, escolher, arregimentar e promover a queda da bastilha... Há?
De minha parte – admito que sou um radical desesperançado: - não espero que as coisas se modifiquem, na essência, por via institucional. Da mesma forma não acredito que o tecido social esteja de tal forma coeso, harmônico e resistente capaz de promover o levante para as reformas urgentes necessárias.
Feliz ou infelizmente não temos esse perfil. E o radicalismo de alguns atinge tal escala que quando dizem que: “fulano se elegeu e se corrompeu” – corrigem: - “fulano é corrupto porque se elegeu”... Por que?
Porque confirmou e promoveu o Sistema!
E todos sabemos que pelas regras consagradas nesse Sistema é impossível chegar lá (no Poder) sem vender, trocar, barganhar, negociar, iludir, corromper e corromper-se.
Não é assim? Prove se for possível. Sustente se for capaz.
E a sorte? Bem essa está por conta do aleatório na imensa república do cassino Brasil – a verdadeira esperança que nos faz sorrir neste grande picadeiro.
E viva o circo! ...


sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A importância do vereador

O vereador é parte fundamental de um dos três poderes da República – pertence ao segmento legislativo da Pátria. Tem a competência de elaborar leis no âmbito de seu município e a decisiva atribuição de fiscalizar os atos do Executivo Municipal.
E isso é tudo. E é bastante...
Tudo além ou aquém dessa competência e dessa atribuição é exagero ou omissão de função.
Na verdade o vereador não precisa ser mais do que realmente deve ser para cumprir sua importante missão de legislar e fiscalizar, em nome dos cidadãos.
E nessa tarefa representativa mais valerá sua postura moral, seu conteúdo ético, seu interesse comunitário, sua substância solidária, seu senso de justiça social. E tudo isso está (ou não está) na essência de seu caráter e no cerne de sua personalidade. Depende, fundamentalmente, muito mais de sua compleição anímica, do que de sua bagagem cultural.
Atitude, boa intenção, respeito pelo próximo, bom senso, responsabilidade social, despreendimento, idealismo, cidadania são valores indispensáveis ao bom vereador.
E o fato é que tais grandezas não estão disponíveis em cursos, congressos, instruções, arregimentações e coisas do gênero.
O bom vereador encontrará o que de melhor existe para ser bom só dentro de si mesmo. Se tal não acontecer não adianta procurar...
Não há congresso, nem curso, nem simpósio que possa produzir o prodígio da honestidade, da lealdade, da cidadania, do civismo e da genuína entrega a legítima causa pública.
Mais que saber muito o importante é saber e sentir coisas boas... 

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O Desplugado

Voluntariamente, Alfredinho desplugou-se do mundo, tomou seu chá de alienação e sumiu. De uma hora para outra, não sabia, nem queria saber de mais nada.
Se perguntassem quem tinha ganho ou perdido as últimas eleições, dava de ombros, passava a mão na vasta melena e dizia, com certo ar de satisfação: - Não sei  nem me interessa...
Chegou ao cúmulo de não saber qual a novela mais pontuada na pesquisa. Não sabia, igualmente, qual o programa de auditório de maio audiência na TV. Desconhecia a última bobagem do governo e não tomou conhecimento do recente aumento de impostos. Estava completamente por fora das novas explicações oficiais da crise e sequer sabia que a mega-sena estava acumulada.
Da moda no vestir, não sabia absolutamente nada. Todos os dias vestia sua cala roxa de boca-de-sino, um par de chinelas esgarçadas, camisa de linho duro, óculos Ray-ban, chapéu panamá e andava por aí à toa, chutando paus e pedras, ao deus dará...
Aposentado juramentado, não sabia, ao menos, que estavam mexendo fundo em seus interesses. Fez questão de esquecer seu número do CIC e a senhora do cartão bancário. Preço da gasolina, do leite, do feijão, da cachaça, da aspirina e do cabaré, não sabia de jeito nenhum. Não sabia (vê se pode!) que era dezembro, o mês do Natal...
Fez questão de não lembrar que era pai de família, marido competente, vizinho presente, partidário aguerrido, torcedor apaixonado, sócio honesto, profissional graduado, consumidor alegre e contribuinte disciplinado.
Alfredinho não sabia que as bolsas tinham caído nem que as saias tinham subido. Não lia jornal, não ouvia rádio nem via televisão. Internet, fax, celular? – nem pensar... Não escrevia nem recebia cartas. Não jogava, não fumava, não bebia nem conversava.
Ontem, quando todo o mundo passou por ele apressadamente, para assistir a benção do Papa, perguntou ao poste: - Que Papa?...
Não cobrava nem pagava contas. Não dava nem recebia bom-dia, boa-noite e até-logo. Raramente falava, mas seguidamente assoviava. Sabem que melodia Alfredinho puxava no bico? Sabem? Era o “Risque”, consagrado pela potente e saudosa Nora Ney. “Risque meu nome no seu caderno”... Lembram?
Para pôr um termo final em seu voluntário desplugamento, Alfredinho resolveu limpar sua última conta no Banco. Guardaria seu dinheiro em casa, embaixo do colchão, à espera do Juízo Final que, por certo, não tardaria. Com muito esforço, correu à casa bancária e pediu o que era seu.
-         O senhor precisa preencher o cheque, seu Alfredo – disse o caixa, com gentileza.
-         Cheque? Que cheque?
-         Este aqui – disse o solícito funcionário, passando um cheque avulso ao confuso Alfredo.
-         Ah, sim... – balbuciou Alfredo, com olhar perdido.
-         Ponha a data, por favor.
-         Data? Que data?...
-         Sim – dia, mês e ano.
-         E que ano é hoje?...
-         98, seu Alfredo. Falta só mais um para o fim do século... – comentou o simpático atendente.
-         Século?... Que século?... – questionou o nervoso Alfredo, agora com audível rouquidão e visível tremor nas mãos e pálpebras.
-         Ora, o vinte! A porta de entrada para o novo milênio... – sentenciou, exultante o alegre cidadão atrás do balcão.
-         Que milênio?...
Choveu, ventou, passou.
Enquanto as pessoas correm para atender suas contas e compromissos, Alfredinho balança-se, comodamente, em sua rede de frente para o poente, esperando ver o sol ressuscitar. Enquanto tal não ocorrer, continuará ali, desplugado, sem nada para receber, sem nada para pagar...!
Alienado! – diremos todos. Livre! – dirão os deuses da circunstância, sentados nos tronos da conveniência e... da razão!

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O Bar do Rato

Sempre que podia e sempre podia, Afonsinho dava uma passada no bar do Rato, para refrescar as idéias e inteirar-se dos fatos. Lá, a conversa era, diariamente, ou melhor, noturnamente, muito animada.

Futebol, política, religião, conjuntura, etc, não só eram assuntos permitidos como quase obrigatórios. Um balcão e quatro paredes encerravam um solene parlatório neutro, gratuito e rigorosamente isento para passar-se a limpo a Pátria, os patriotas, a humanidade, o céu e a terra.

Naquela noite, quando Afonsinho chegou, a temperatura já estava alta. O assunto centrava-se nessa dolorosa questão da fome e da miséria. Com a palavra e com a cerveja, estava Quiri, muito de pé e nada à vontade, fazendo sua doutrinação, já com vários apartes para atender:

-         Isso é obrigação do governo...

-         O governo mal pode com suas próprias calças, vai poder com um problemão desse tamanho? – comentou, criticamente, o ex-sargento Caçamba, a essas alturas quase na diagonal, no meio da cena.

-         Tem que poder – retemperou, sabiamente, Dr. Camalhoso, estendido em seu canto, atrás de seu reluzente anel de bacharel aposentado.

-         Tem que poder, concordo com o doutor, pra isso recolhe os impostos – atravessou Sinaleira, muito convicto, enquanto recarregava as químicas de seu estranho guaraná.

Afonsinho, recém chegado, ainda fora do clima, quis falar, mas foi cortado pela voz fina e penetrante de Silvério, respeitado e conhecido ex-oficial de justiça, com muitos mandados na conta.

-         Não tiro a razão do meu doutor, mas acho que nós todos temos a obrigação de dar uma ajuda a essa pobre miserável. Temos que fazer a nossa parte.

-         Que parte? Que obrigação? – saltou, enfurecido, Mofão, ex-candidato a muitos mandatos na Câmara de Vereadores, até então ocupado com seu sanduíche.

-         A parte de fazer o que o governo não faz – enfim, pôde falar Afonsinho.

-         Então temos que juntar forças para obrigar o Governo a fazer o que ele tem o dever de fazer e não faz – disse, vagabundamente, Joaquim, do alto de sua tranqüilidade, gerada no imponderável espaço compreendido entre um copo de caipira e um cigarro amigo.

-         Temos é que organizar a sociedade para um eficaz e decisivo combate à miséria – se soltou Afonsinho. Se formos esperar pelas providências governamentais melhor então acreditarmos que as galinhas um dia terão dentes.

-         Em véspera de eleições, eles se mexem – comentou Quiri.

-         Se nós fizermos a parte do Governo, seria justo que o Governo fizesse a nossa – falou mais uma vez, com ênfase, Dr. Camalhoso, em tom professoral.

-         As elites que põem e tiram os governos é que devem assumir essa responsabilidade – disse, incisivo, o gritão Ferrabraz, um sindicalista de granada no bolso do pijama.

-         Que elite, que nada! O assunto é sério! Tem gente morrendo e matando de fome – ponderou Afonsinho, tentando reconduzir a conversa para um plano mais razoável.

-         Ultimamente, tenho visto gente matando por um par de tênis, mas não por um prato de comida – atacou forte o ex-sargento Caçamba.

-         Isso é coisa de televisão, a realidade é bem outra – sustentou Afonsinho.

-         Olha, vou dizer uma coisa pra vocês: Vai chegar o dia em que metade da população não vai dormir de fome e a outra metade não vai dormir de medo dos que estão com fome.

-         Fome coisa nenhuma! Procura alguém para trabalhar, pra ver se acha!

-         Emprego todo o mundo quer, mas trabalho que é bom... Essa gente está habituada a pedir porque tem gente que está habituada a dar – perdeu a paciência Mofão.

-         A coisa não é bem assim – interferiu Silvério. Tem gente passando necessidade mesmo. Irmãos nossos. Pais com muitos filhos para criar...

-         Aí é que está o problema. Essa gente se multiplica como rato.Desculpa, Rato, nada a ver! Não podem ter um filho e têm dez. E ninguém faz nada?

-         A natureza fala e a gente cala – filosofou Joaquim, bebericando sua poção.

-         Temos que dar a maior força a esses Comitês de combate à miséria que estão se formando em todo País. Esse é o resgate da cidadania – discursou Afonsinho.

-         Não me pise no ponche, meu jovem. Por favor não entre nessa seara – recomendou, com educação, Dr. Camalhoso.

-         Está certo, está certo. Mas vamos à luta. Temos que fazer alguma coisa.