Incomodado por formigas, empregados, impostos e visitas
inoportunas o Velho Moraes, um dia, resolveu vender a chácara. Chamou o
corretor de sua confiança e autorizou o negócio. Coisa de ímpeto – impulsiva –
momento de raiva e desgosto. Dois dias depois estava profundamente arrependido
da decisão.
Mas, palavra é palavra, e naquele tempo era usual honrar-se a
palavra empenhada, deixou correr a sorte por conta das tratativas do talentoso intermediário.
Lá por uma tarde de domingo aparece um interessado comprador
para revisar a mercadoria. O Velho Moraes, contrariadíssimo, recebeu o pretenso
e começou a mostrar as “comodidades” da chácara.
- “Linda
mangueira” – comentou, com entusiasmo, o pretendente.
- “Precisa de
reparos” – disse, secamente, o proprietário.
- “Mas não
embarra (?)...”
- “Quando
chove é um chiqueiro”.
- “E os
aramados, seu Moraes?”
- “Ah, estão
quase todos no chão”.
- “Bem, isso se conserta...”
O empregado caseiro que assistia a conversa-caminhada olhou
nos olhos do patrão, meio surpreso, sem entender o que estava acontecendo, pois
os arames tinham sofrido reparos, recentemente...
- “E o
galpão. Seu Moraes?”
- “No galpão
chove – mais no centro e menos nas pontas...”
- “Mas não
chove”. Comentou o caseiro, timidamente.
- “Chove ! !”
– disse o Velho, de forma categórica.
- “Tem
formiga aqui?”
- “Não só
aqui – estão em toda a parte...”
- “E a água?”
- “É escassa,
turva e saloba”.
- “Mas é bem
doce” – disse, com voz sumida, o empregado.
- “Saloba !
!” – contraponteou o Velho Moraes, transpirando impaciência.
A essas alturas o comprador
já estava entre desanimado e desconfiado.
- “E a casa?”
- “A madeira
tem que ser toda trocada. Chove no quarto, na sala e na varanda”.
- “E na
cozinha também chove?” – indagou, sutil, o esperto interessado esperando
surpreender uma contradição.
- “Na cozinha
não chove” – falou alto o caseiro, já, decididamente, amotinado.
- “É, na
cozinha não chove” – concordou o Velho Moraes aparentemente resignado. – “Na
cozinha a água brota do chão como se fosse um manancial...”
- “E os
vizinhos?”
- “São bons
quando estão dormindo”.
- “E os
impostos?”
- “São caros. Estou vendendo
a chácara para poder pagá-los”.
Esse foi o
tiro de misericórdia na alegria do comprador. Despediu-se e tratou de sair
rápido de cena.
O Velho Moraes satisfeito de não ter faltado com a palavra e
não ter cometido a besteira de vender a chácara, voltou para seus afazeres
cheio de vontade e disposição. Enquanto ordenava a capina das laranjeiras ouviu
uma ligeira queixa de seu caseiro.
- “Seu
Moraes, a casa está precisando de telhado novo”.
- “Por que?”
- “Porque
chove como na rua”.
- “Mas na
casa não chove”.
- “Chove! –
os outros compradores tem que saber disso...”
- “Então
chove. Mês que vem vou dar um reforço no teu soldo...”
- “Chove e é mal assombrada,
seu Moraes...