quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

O Cometa

Dona Laurinha tinha tudo para ser escalada na equipe titular de histeria.
O último ataque, com direito a todos os chiliques que a medicina conhece, teve como causa objetiva os desarranjos de seu mimado gato angorá. Dr. Paranhos, médico experiente e dedicado, já sabia essa lição de cor.
Quando chamavam para atender dona Laurinha, Dr. Paranhos prescrevia os procedimentos de praxe. Depois do surto – o olho do furacão – sobrevinha uma longa fase de lucidez e atividade produtiva. De ataque em ataque, sua estimada cliente is galgando os tortuosos degraus da vida, rumo a uma longevidade digna do livro do recordes. “Mulher gemida – mulher para toda vida” – esse é um adágio que muito sabe da verdade.
As histórias de dona Laurinha tinham um roteiro conhecido. Primeiro era o desmaio, com direito a tremuras e outros quetais. Quando voltava a si, dava início à sessão de torrentes lamentações. Falava no falecido – ressaltando as imensas e incomparáveis qualidades do dito cujo. Depois, queixava-se do mundo e dos tempos loucos dessa modernidade sem critérios. Nesse ato engasgava-se com ênfase e pranteava, ruidosamente, sem derramar lágrima sequer.
Quando a verborragia alcançava os píncaros, seguia-se um novo espetáculo de coreográfico desmaio. A criadagem, atenta, corria na volta. A parentada azulava uma sofreguidão sem par. Em cada crise dona Laurinha ia pondo sua mossa no tempo, sem medo e risco de envelhecer.
Num domingo avulso, cheio de sol e preguiça, Dr. Paranhos foi chamado, às pressas, para atender sua pitoresca paciente amiga. O quadro era o de sempre. Dr. Paranhos tranqüilizou-se e acalmou os circunstantes. Quando refez-se do primeiro desmaio, dona Laurinha virou-se para o médico e disse, com visível e contagiante alegria adolescente nos olhos:
-         Doutor, estou feliz! Agora Deus já pode me levar. O que vi nesta madrugada é a beleza suprema da natureza. Estou satisfeita, não preciso ver mais nada. Dr. Paranhos, eu vi o cometa... Que maravilha!
Dr. Paranhos, então, preocupou-se – isso não estava no script de dona Laurinha. A doença agravara-se de repente. Alucinações não estavam no programa...
-         Doutor, não posso esquecer aquela cauda luminosa!...
-         Êpa! A coisa é séria. Isso é delírio galopante...
-         Reparando bem, doutor, dava para ver a mão de Deus regendo um imenso coral de anjos, do meio daquela luminosidade indescritível!...
-         Ih! O caso é grave mesmo. Minha paciente agora vê cometas, anjos e coisa e tal. Acho que serei obrigado a reforçar a química do tratamento. Vou experimentar a novidade que aquele viajante deixou ontem no consultório, raciocinava o diletante Dr. Paranhos, um verdadeiro cientista, bom clínico e reconhecidamente desligado.
A bem da verdade, diga-se que Dr. Paranhos era tão dedicado quanto distraído. Excessivamente concentrado, diziam todos, com carinho. Seguidamente tentava meter sua chave em porta de carro alheio.
Não raro comentava assuntos políticos e sociais rigorosamente vencidos. Era comum ver o admirável soldado de Hipócrates, às horas tantas, no hospital, espreitando o sono reparador de um cliente seu. Sua vida médica era um autêntico e genuíno sacerdócio. Um homem raro, sem dúvida.
-         Dona Laurinha vendo cometas! – só me faltava essa ...! O caso é gravíssimo.
Saiu dali decidido a encontrar uma solução terapêutica para o problema. E que problema! – alucinações, delírios...
Quando entrava em casa topou com um amigo da redondeza:
-         E aí, doutor, viu o cometa?...
-         Que cometa?...
-         Ué, doutor, não me diga que não viu, todo o mundo viu!...
-         Como assim?...
-         Pois esta noite passou um cometa dos bem grandes. Parecia uma bola de fogo deixando uma cola de luz que mais parecia um disco voador!...
-         É mesmo?...
-         É, o senhor não viu?
-         Ah, o cometa! Claro que sim... claro que sim...

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Chaves

       Não saberia dizer de onde nem quando surgiu essa necessidade humana de chavear-se por todos os lados, sob diversos pretextos. O fato é que cada um de nós poderia valer seu peso em chaves...
         Já repararam quanta chave cada um possui?
         É a do cofre, a da gaveta, do telefone, do carro, da casa, da caixa postal, da moto, do computador, da porteira, da geladeira, da mala, do armário, do gás, da loja, da bicicleta, da adega, da urna, do campanário, da despensa, do galpão, da gaita, do avião, do baú, do navio, do relógio, da luz, da cidade, do coração...
         Houve um tempo em que se pretendeu medir o poder de uma pessoa pelo número de chaves que portava. Nessa época, de tamanho sincretismo funcional, ter a chave significava possuir a resposta. Ter a chave era ter a saída. Resposta de quê? Saída para onde? Dizia-se que o rei reinava mas quem mandava, mesmo, era seu guarda-chaves. Era? Os que conviviam entre gemônias e masmorras sabiam bem que era.
         Na Idade Média, os famosos cintos de castidade, chaveados por todos os lados, batizaram um estilo de vida ainda hoje, plenamente, valorizado. Naquele tempo, os heróicos e ausentes cavaleiros das Cruzadas, entregavam as preciosas chaves a guardadores tão confiáveis quanto eunucos...
         Em pragmatismo sabiamente solenizado pela máxima – “reze mas mantenha o camelo bem amarrado” – varou os séculos para chegar íntegro até nós, pelo bem de todos e satisfação quase geral da nação.
         Atavismo moral não se discute – cumpre-se e seja o que Deus quiser...
         Chave – esse objeto de amor e do ódio, da crença e da dúvida, da satisfação e da frustração, do sim e do não, da ação e da omissão, do bem e do mal, do tudo e do talvez...
         Mas, então, busquemos a origem dessa engenhoca tão cara para nossa humanidade. Quem, afinal, são os inventores ou descobridores de tal prodígio?
         Todos sabemos que a fechadura foi inventada  pelos portugueses. Foi!
         E sobre isso não resta qualquer meia volta de dúvida.
         E a chave? Essa veio tempos depois provocando verdadeiro furor no contexto histórico-existencial da época. Há controvérsias. Alguns dizem que foram os ingleses que, enfim, aperfeiçoaram o ousado invento dos lusitanos. Outros afirmam que a chave foi, realmente, “inventada” por um raivoso e asfixiado batalhão de gregos, a bordo de um imenso, desajeitado e trancafiado cavalo de madeira, na famosa invasão de Tróia.
         Conta-se, até, que a hercúlea tarefa precisou de auxílio dos que estavam do lado de fora. Há crônicas febris da época, relatando a particular dificuldade para destrancar-se a porta do tal cavalo.
         Dizem os detalhistas que nessa oportunidade podem ter surgido, em boa hora, a utilitária chave de fenda e a esnobe chave inglesa.
         A história não entra em pormenores, mas não é difícil deduzir que a própria chave cachimbo foi devidamente usada na ocasião, oportunizando o ato solene de fumá-la, depois do percalço, a fim de consolidar e referenciar a grande paz.
         Guerras à parte, voltemos ao miolo da questão.
         Há chaves para todos os gostos e propósitos. Existem as de braço, as de pernas, as gramaticais, as sistemáticas, as genealógicas, as borboletas, as de boca, as de estrela, as  eletrônicas e tantas outras, de inestimável valia.
         A melhor cena teatral que testemunhei foi aquela do gigante que após arrombar a porta do reduto onde estava a indefesa mocinha, engole a chave com estilo, mastiga  a dita cuja com arte, e lança cúpidos olhares em direção à presa, inapelavelmente perdida. Observem a dimensão dessa atitude, cabalmente irrecorrível!
         Vendo bem, na vida real, tudo é assim – uns fecham e abrem e outros apenas passam, ou jamais passarão...
         O assunto é vasto e merece outros desdobramentos. De minha parte, devo dizer, que estou aqui, atônito, solitário, desamparado, procurando utilidade para uma diminuta chave que não sei onde se encaixará. É uma chave pequena, simples, bronzeada e de pouco peso. É de uma gaveta, descubro com alegria e esperança. O que contém essa gaveta? Dólares? Ações? Jóias? O segredo da eternidade? As respostas da felicidade?...
         Não!
         Dentro da gaveta há mais uma porção de chaves... E só!

domingo, 18 de dezembro de 2011

A Ovelha Ladra...

Na verdade, a ovelha bale, mas são tantos os mistérios entre o céu e a terra que, às vezes, somos obrigados a espichar as fronteiras de nossa vã filosofia.
Para relatar um recente abigeato ocorrido no “povinho das sina-sinas”, arredo o aramado do conhecimento para abrigar o gordo rebanho dos absurdos e dos disparates.
O caso parecia simples na lavratura competente do inspetor de plantão: - Algumas ovelhas maneadas jaziam semi-vivas (ou semi-mortas), no interior de um carro de passeio, em lugar ermo, em hora suspeita.
Os fatos: - O piloto da tal condução e seu comparsa, instados a parar na barreira policial, para meras e habituais averiguações, contraditaram a ordem, acelerando em disparada. A polícia, diante de tamanho desacato, lançou mão de ação extrema, abrindo fogo contra a viatura. Acertou o ombro de um, mas o outro escafedeu-se  perdendo os chinelos. Mais perto, constatou-se a presença de uma dúzia de animais ovinos, mal acomodados, no interior do auto fugitivo. A singela dedução do “quem não deve, não teme”, foi suficiente para admitir-se que era um ilícito, considerando a reação intempestiva dos donos do veículo, diante da blitz policial.
No aprimoramento das investigações, verificou-se que as ovelhas pertenciam a terceiros e que nenhum documento oficial chancelava a legalidade daquele transporte. Abigeato puro e simples – sem dúvida!
Dúvida?...
Uma boa e farta embretada de dúvidas foi o que se seguiu nesse inquérito, quando o advogado esparramou argumentos em defesa dos ocupantes do carro em causa. Somente um era o dono, o outro era apenas um “carona” acidental.
O proprietário do sedã dizia, através de seu verboso defensor, não ter a menor idéia de como aqueles bichos tinham ido parar no interior de seu automóvel. Aproveitava para dizer, inclusive, que tal acontecimento o desgostava, profundamente, não só pela aberração mas, especialmente, pelo incômodo do prejuízo no estofamento e arredores. Sugeria, até, iniciar-se tratativas com vistas a uma procedente ação indenizatória, tão justa quanto justificada.
Quanto ao carona acidental, literalmente  acidentado, uma tropa de boas razões o socorrem, exigindo sua inocência sumária. Visto estava que o atropelo  de circunstâncias inconseqüentes violentou o arranjo e a ordem de sua ilibada volição cidadã, jogando-o no olho de um furacão casual, vitimando-o, lamentavelmente. Enfim, dois anjos pegos a traição pela insânia mundana, justo no imaculado portal dos cânticos etéreos. Que pecado...!
Já os policiais, de agredidos, passaram, milagrosamente, à condição de agressores e agora povoam páginas e páginas com justificativas e explicações. Tentam explicar por que estavam de campana e por que abriram fogo. São obrigados a esclarecer por que a água é mole, o fogo é quente e a roda é redonda.
Explicarão e justificarão, um dia, e tudo ficará bem.
As ovelhas e os proprietários, no entanto, estão em maus pelegos. Terão de buscar, a peso de ouro, verdadeiros gênios jurisprudenciais para safarem-se dessa formidável enrascada patrocinada pelo comportamento pernicioso de uma ovelha, provavelmente azul, que, criminosamente, desencaminhou todo o rebanho. Invasão de propriedade é o mínimo que se deverá imputar à conduta delinqüente dessas marginais de lã.
E os proprietários, então, culposos contumazes, onde estavam e o que faziam quando deveriam prover boa educação e princípios morais ao rebanho rebelde?... Onde já se viu invadir, assim graciosamente, propriedade alheia como se este rincão fosse terra sem lei?...
Reponha-se a ordem e a legalidade, enquanto é tempo, em nome da justiça, da paz e da liberdade. Tudo pela dignidade de nossas instituições!...
Diante do relato – na crueza dos fatos – questiono: - A ovelha ladra, ladra ou não ladra? Hein?...
Os fenômenos estão aí para quem deles quiser tirar bom partido, até em nome da sempre saudável cultura geral. O saber e o conhecer não ocupam lugar. Acreditar, confiar, compreender, explicar, produzir, policiar e justificar sim, são verbos que sempre enchem os espaços. E como enchem...!
Daqui onde estou, antes que o século acabe de balde, dá bem para ouvir o balido dos cães, o ladrar dos gatos e o miado dos burros, enquanto a caravana passa, garbosa, pelo umbral rotundo dos milênios pardos...
Até quando?...
Quosque tandem, Catilina?...!

quarta-feira, 30 de novembro de 2011


POBRE-RIO – POBRERIU...

Confesso que ainda não sei com quantos paus se faz uma canoa...
Mas, se soubesse, não saberia remá-la em nosso rio Santa Maria.
E quem saberia sem utilizar os fartos recursos virtuais, singrando mapas e velejando sonhos?...?
Verdade seja dita: - o rio continua dizendo presente na sessão da cartografia oficial. E mais – o rio é real no imenso vale verde de nossa geografia sentimental...
Serpentiforme, corre, solto e limpo, páginas a dentro de uma história que ainda não exauriu nossa alma! E só...
Porém lá, onde o sabiá o cantava, a coronilha o sombreava e o pintado o deliciava, não está mais.
Lá onde o barqueiro remava; o Zé do Caniço saciava sua fome; a Maria das Trouxas lavava sua roupa; o João da Carroça colhia sua areia; a Madalena dos Trapos juntava seus gravetos; o Pedro dos Calções mergulhava suas doces mágoas; a Ana dos Brincos navegava seus caprichos e o Paulinho do Bodoque se lambuzava de pitangas, não está mais.
Cadê o rio??
Lá onde estava e sempre deveria estar, não está mais...
Onde está?...?
Será que correu todo para o mar?? Para o mar da Internet?...
Será que, aterrorizado, recolheu-se às nascentes, a espera de um tempo de paz e sanidade?? Será?...?
É possível que, envergonhado com sua inutilidade tenha se enterrado, definitivamente, na moderna consciência do “obsoletismo programado”... É muito provável que, envelhecido na rotina das águas e das mágoas, tenha se asilado nas têmporas do vento. É deduzível que o aluvião dos desenganos tenha arrasado a derradeira fortificação de seu amor próprio.
Conjecturas...!
Cadê o rio??...
Será que fugiu para a longínqua pátria do nada?? E será que isso é tudo?? Será?...? Pobre rio – pobrerio – pobreriu...!


terça-feira, 22 de novembro de 2011

Greve l

Greve l
Nos últimos dez anos, só o setor público faz greve, no Brasil.
A greve, como sabemos, é recurso extremo, quando todos os outros expedientes não logram êxito.
O que estará faltando? Ou sobrando?

Greve ll
As pessoas grevistas, se incomodam bastante. Mas se a causa é nobre, valerá a pena. O fato é que quem cruza os braços, se expõe e se chateia. Quando os pleitos são atendidos tudo volta ao normal e uma sensação de vitória povoa os corações heróicos.
Atendimento aos pedidos é a compensação dos que lutam e se estressam.
E os que usufruem os benefícios oriundos das greves e ficam, bem quietinhos, sem aderirem, distantes do embate? Não seria mais correto recusarem, publicamente, tais benefícios?

Greve lll
A greve que está faltando é a dos contribuintes. Essa, de fato, se um dia ocorrer, vai agitar a República.
Já pensaram se os contribuintes cruzarem os braços e deixarem de pagar impostos?
Será o caos... para os Governos!

Secreto
É sempre útil informar aos candidatos em geral, que o voto continua “secreto”.
Então não se entusiasmem aqueles que andam por aí recebendo promessas de votos e tapinhas nas costas...
Já vi muita gente boa gabar o burro antes de cruzar o banhado...
Cuidado!

Oposição
Nas democracias a posição mais cômoda sempre foi e será a da oposição. Fiscalizar e criticar, tanto quanto moderadamente necessárias; são iniciativas relativamente fáceis e confortáveis, pois tudo estará ao nível do verbo e do discurso. E só!
Ver erros e recomendar remédios é barbada quando não se tem a obrigação público – jurídica de fazer ou impedir que se faça.
Só quem “executa” tem o ônus de correr o risco. Quem só observa não corre risco algum.
Acho que as democracias, em busca de aperfeiçoamento, deveriam sistematizar uma alternancia compulsória de poder:       - Quem hoje se opõe amanhã será poder executivo e amargará  as estocadas da crítica e as fustigadas da fiscalização.
Só assim fugiríamos do denominado “eleitoralismo”que, nada de bom realiza pela comunidade. Fugiríamos? Você decide!


Ingratidão
Tenho imensa dificuldade de confiar em pessoas ingratas.
O ingrato é sempre egoísta e o egoísta não é fiel nem a si próprio.
Como confiar em pessoas com esse perfil?

Lei
O piso salarial do magistério público é lei. Insofismável e incontestável.
É preciso crumpri-la, sem reparos ou críticas.
O cidadão comum é constrangido a cumprir a lei, custe o que custar.
Mas o “poder público” tem a benesse do “quando puder”... Está justo isso?


quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Como seria?

Como seria?
Continuo filiado ao grupo que lamenta e condena regimes políticos autoritários, arbitrários e por conseguinte, anti-democráticos. No meu ponto de vista as ditaduras são rigorosamente condenáveis em qualquer tempo, sob qualquer pretexto, venham de onde vierem.

Na esteira de tais recriminações vem a ojeriza especial a “abusos” dos ditos regimes de exceção: supressão de garantias e direitos individuais; invasão de privacidade; constrangimentos de toda ordem, censura a livre manifestação do pensamento; restrições artístico- culturais, enfim, tudo o que de fato representa um regime ditatorial.Condenável!

Na história brasileira temos, infelizmente, o registro de situações que, na essência e na forma, se identificam com o malfadado regime autoritário.
O Estado Novo, por exemplo, sob a batuta de Getulio Vargas patrocinou momentos de agonia e de desespero ao povo brasileiro. Mas, inexplicavelmente, disso poucos lembram.
Bem lembrados são os denominados “anos de chumbo” chancelados pela “revolução de 64” ou “golpe de 1º de abril”.

E aí são pródigos e  intermináveis os discursos, relatórios, declarações e depoimentos, a respeito dos fatos. Tudo lautamente contado e cantado em verso e prosa. De um lado os que explicam e justificam o “movimento”, de outro os que o condenam sem apelação.

Dizem os historiadores de ofício -  os imparciais e portanto confiáveis – que  a “revolução ou golpe de 64” foi a imperiosidade da “direita” sobre a “esquerda”; foi a prevalência de uma ala do mundo sobre a outra, identificando a liderança norte-americana de um lado e a força soviética de outro, na encenação ininterrupta e cheia de truques da denominada “guerra fria”!
O anti-comunismo foi a bandeira do “movimento de 64” e, sem contestação, essa foi a grande motivação do levante. Pelo menos esse foi o argumento público que teve na oportunidade a anuência da maioria do povo brasileiro.

Depois o “movimento” teve suas fases de desvirtuamento como todo e qualquer “movimento” que se oriente pela exceção. Contabilizou realizações e decepções; teve adeptos e contestadores; venceu em algumas iniciativas e perdeu em muitas quando, intempestivamente, avançou sobre o sagrado terreno da liberdade das pessoas.

No balanço geral sempre fica a indagação: - considerando as circunstancias histórico: – existênciais daquele momento brasileiro teria sido possível produzir outra resolução? Ou teremos que metabolizar, necessáriamente, tudo o que aconteceu, sob o indefectível argumento social, como em todas as culturas, entendido como o indecifrável “mal necessário”?
Pensar  sobre o tema é fonte inesgotável de aprimoramento intelectual, sem dúvida.

O senso crítico dos brasileiros de bem, distante da raiva obscurantista, nunca perdeu o referencial da verdade, e sempre soube, sabe e saberá reconhecer o que foi útil nesse período, assim como jamais vai esmorecer na implacável condenação aos erros e abusos cometidos nesse tempo de arbitrariedades.

Com a mesma independência intelectual, por pura curiosidade, esses mesmos brasileiros de bem, com afinado senso critico gostariam de saber como teria sido se o outro lado tivesse vencido(?)

O outro lado tinha como modelos a União Sovietica, a China, Cuba, Albania e outros. Países que na época eram públicamente adeptos do chamado Estado Totalitário. A União Sovietica ruiu, a China trocou de trilho, a Albania sucumbiu e Cuba continua sem dar a menor chance a oposição.
Como seria se esse bloco fosse o vencedor naquela longíngua rêfrega de 64?
Como seria? Será que as liberadades individuais seriam respeitadas?
E as instituições democráticas conservariam sua integridade?
Como seria? Perguntar enriquece a consciencia...
Responder mais ainda!

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Código Flrorestal I

Código Florestal I
        A lei  preconizada pelos raivosos, pelos ignorantes e pelos safados será mais uma para não funcionar.
        Valerá apenas como moeda de troca para falcatruas em manobras de poder:- um reino de dificuldades para mercantilizar facilidades.
Exagero quando digo que não funcionará!
Funcionará sim nas maquetes e nos gabinetes político- eleitorais...! E só?

Código Florestal 2
Uma lei que inclui a raposinha em detrimento do boizinho não pode ser séria no contexto das premências do pão nosso de cada dia.

Dizem alguns “burocrataços”, inocentes úteis a serviço dos empedernidos de sempre, que o boi é um animal definitivamente poluidor- e nem água se deve franquear a esse bandidão do meio ambiente. Pausa para risos...

Código Florestal 3
Quem não vê que essa “ manobracracia” só abriga interesses ideológico-economicos a favor da conquista ou da manutenção do poder? Pouco tem de preservacionista,  e ambientalista. Que o povo julgue- se for capaz. Nova pausa para apupos, aplausos e ... mais risos.

Horàrio de verão
Não sei se economizará energia elétrica(?)
Mas que vai compatibilizar horários em transmissões de eventos esportivos fora do País- ah isso vai!
Será que tudo isso é apenas uma inocente coicidencia(?)- ou será que têm mãos espertas agarrando esse timão?
O que você acha?

Saneamento 1
Está visto que a Corsan tentará evitar de todas as formas o processo de licitação para nova etapa em serviço de fornecimento de água e esgoto em Dom Pedrito.
E não há nada de imoral ou ilícito nisso.
Mas acho que se a Prefeitura  tem a prerrogativa( garantida por lei federal) de ouvir propostas e eleger a melhor para os legítimos interesses da comunidade, deve fazê-lo, sem pestanejar.  Sem culpas.

Saneamento 2
Se aceitar de cara as propostas da Corsan não terá oportunidade de ouvir outras. Será de bom alvitre oportunizar o surgimento de outras propostas- Venham de onde vierem.

Saneamento 3
Particularmente penso que a Corsan tem condições de suplantar qualquer proposta e vai fazê-lo desde que provocada. Faça-se a licitação:- isso será melhor para todos.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Para refletir

Penso que metade dos problemas que afligem nossa organização político-eleitoral deve-se aos caprichos do “Sistema”. A outra, metade deve-se, suponho, a sorte – ou a falta dela...
O Sistema é o produto da vontade soberana de uma elite que zela, incansavelmente, por seus próprios interesses. E recorre a conteúdos científicos e a conectividades técnicas para vestir-se de razão e paixão em prol das conveniências, das vantagens e dos desideratos  que perpetuam os semelhantes no Poder.
O Sistema alimenta-se de suas próprias vísceras em um acordo oficial de perenidade.
Quer e sabe que sua continuidade só depende de si mesmo. O Sistema é a suprema consagração da mesma coisa sempre.
Como quebrar essa hegemonia? De que maneira conseguiremos interromper esse ciclo? Pela legalidade? – Impossível pois tudo o que o Sistema faz ou autoriza está plenamente legal ou foi estrategicamente legalizado.
E será quixotesco imaginar que dessa substância (status - quo político – administrativo) explodam químicas capazes de modificar, essencialmente, a situação.
O que há são movimentos de cena, mudanças formais, ajustes processuais que só ajudam a rejuvenescer o esquema de sempre.
Revolução? – Onde? Quando? Com quem?
O povo tem a senha para revolucionar?
Saberá clicar nos ícones certos? Sabe o que, de fato, quer detonar? E depois, faz idéia do que colocar no espaço detonado?
Questões...  muitas questões...
Mas há tempo para pensar, escolher, arregimentar e promover a queda da bastilha... Há?
De minha parte – admito que sou um radical desesperançado: - não espero que as coisas se modifiquem, na essência, por via institucional. Da mesma forma não acredito que o tecido social esteja de tal forma coeso, harmônico e resistente capaz de promover o levante para as reformas urgentes necessárias.
Feliz ou infelizmente não temos esse perfil. E o radicalismo de alguns atinge tal escala que quando dizem que: “fulano se elegeu e se corrompeu” – corrigem: - “fulano é corrupto porque se elegeu”... Por que?
Porque confirmou e promoveu o Sistema!
E todos sabemos que pelas regras consagradas nesse Sistema é impossível chegar lá (no Poder) sem vender, trocar, barganhar, negociar, iludir, corromper e corromper-se.
Não é assim? Prove se for possível. Sustente se for capaz.
E a sorte? Bem essa está por conta do aleatório na imensa república do cassino Brasil – a verdadeira esperança que nos faz sorrir neste grande picadeiro.
E viva o circo! ...


sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A importância do vereador

O vereador é parte fundamental de um dos três poderes da República – pertence ao segmento legislativo da Pátria. Tem a competência de elaborar leis no âmbito de seu município e a decisiva atribuição de fiscalizar os atos do Executivo Municipal.
E isso é tudo. E é bastante...
Tudo além ou aquém dessa competência e dessa atribuição é exagero ou omissão de função.
Na verdade o vereador não precisa ser mais do que realmente deve ser para cumprir sua importante missão de legislar e fiscalizar, em nome dos cidadãos.
E nessa tarefa representativa mais valerá sua postura moral, seu conteúdo ético, seu interesse comunitário, sua substância solidária, seu senso de justiça social. E tudo isso está (ou não está) na essência de seu caráter e no cerne de sua personalidade. Depende, fundamentalmente, muito mais de sua compleição anímica, do que de sua bagagem cultural.
Atitude, boa intenção, respeito pelo próximo, bom senso, responsabilidade social, despreendimento, idealismo, cidadania são valores indispensáveis ao bom vereador.
E o fato é que tais grandezas não estão disponíveis em cursos, congressos, instruções, arregimentações e coisas do gênero.
O bom vereador encontrará o que de melhor existe para ser bom só dentro de si mesmo. Se tal não acontecer não adianta procurar...
Não há congresso, nem curso, nem simpósio que possa produzir o prodígio da honestidade, da lealdade, da cidadania, do civismo e da genuína entrega a legítima causa pública.
Mais que saber muito o importante é saber e sentir coisas boas... 

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O Desplugado

Voluntariamente, Alfredinho desplugou-se do mundo, tomou seu chá de alienação e sumiu. De uma hora para outra, não sabia, nem queria saber de mais nada.
Se perguntassem quem tinha ganho ou perdido as últimas eleições, dava de ombros, passava a mão na vasta melena e dizia, com certo ar de satisfação: - Não sei  nem me interessa...
Chegou ao cúmulo de não saber qual a novela mais pontuada na pesquisa. Não sabia, igualmente, qual o programa de auditório de maio audiência na TV. Desconhecia a última bobagem do governo e não tomou conhecimento do recente aumento de impostos. Estava completamente por fora das novas explicações oficiais da crise e sequer sabia que a mega-sena estava acumulada.
Da moda no vestir, não sabia absolutamente nada. Todos os dias vestia sua cala roxa de boca-de-sino, um par de chinelas esgarçadas, camisa de linho duro, óculos Ray-ban, chapéu panamá e andava por aí à toa, chutando paus e pedras, ao deus dará...
Aposentado juramentado, não sabia, ao menos, que estavam mexendo fundo em seus interesses. Fez questão de esquecer seu número do CIC e a senhora do cartão bancário. Preço da gasolina, do leite, do feijão, da cachaça, da aspirina e do cabaré, não sabia de jeito nenhum. Não sabia (vê se pode!) que era dezembro, o mês do Natal...
Fez questão de não lembrar que era pai de família, marido competente, vizinho presente, partidário aguerrido, torcedor apaixonado, sócio honesto, profissional graduado, consumidor alegre e contribuinte disciplinado.
Alfredinho não sabia que as bolsas tinham caído nem que as saias tinham subido. Não lia jornal, não ouvia rádio nem via televisão. Internet, fax, celular? – nem pensar... Não escrevia nem recebia cartas. Não jogava, não fumava, não bebia nem conversava.
Ontem, quando todo o mundo passou por ele apressadamente, para assistir a benção do Papa, perguntou ao poste: - Que Papa?...
Não cobrava nem pagava contas. Não dava nem recebia bom-dia, boa-noite e até-logo. Raramente falava, mas seguidamente assoviava. Sabem que melodia Alfredinho puxava no bico? Sabem? Era o “Risque”, consagrado pela potente e saudosa Nora Ney. “Risque meu nome no seu caderno”... Lembram?
Para pôr um termo final em seu voluntário desplugamento, Alfredinho resolveu limpar sua última conta no Banco. Guardaria seu dinheiro em casa, embaixo do colchão, à espera do Juízo Final que, por certo, não tardaria. Com muito esforço, correu à casa bancária e pediu o que era seu.
-         O senhor precisa preencher o cheque, seu Alfredo – disse o caixa, com gentileza.
-         Cheque? Que cheque?
-         Este aqui – disse o solícito funcionário, passando um cheque avulso ao confuso Alfredo.
-         Ah, sim... – balbuciou Alfredo, com olhar perdido.
-         Ponha a data, por favor.
-         Data? Que data?...
-         Sim – dia, mês e ano.
-         E que ano é hoje?...
-         98, seu Alfredo. Falta só mais um para o fim do século... – comentou o simpático atendente.
-         Século?... Que século?... – questionou o nervoso Alfredo, agora com audível rouquidão e visível tremor nas mãos e pálpebras.
-         Ora, o vinte! A porta de entrada para o novo milênio... – sentenciou, exultante o alegre cidadão atrás do balcão.
-         Que milênio?...
Choveu, ventou, passou.
Enquanto as pessoas correm para atender suas contas e compromissos, Alfredinho balança-se, comodamente, em sua rede de frente para o poente, esperando ver o sol ressuscitar. Enquanto tal não ocorrer, continuará ali, desplugado, sem nada para receber, sem nada para pagar...!
Alienado! – diremos todos. Livre! – dirão os deuses da circunstância, sentados nos tronos da conveniência e... da razão!

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O Bar do Rato

Sempre que podia e sempre podia, Afonsinho dava uma passada no bar do Rato, para refrescar as idéias e inteirar-se dos fatos. Lá, a conversa era, diariamente, ou melhor, noturnamente, muito animada.

Futebol, política, religião, conjuntura, etc, não só eram assuntos permitidos como quase obrigatórios. Um balcão e quatro paredes encerravam um solene parlatório neutro, gratuito e rigorosamente isento para passar-se a limpo a Pátria, os patriotas, a humanidade, o céu e a terra.

Naquela noite, quando Afonsinho chegou, a temperatura já estava alta. O assunto centrava-se nessa dolorosa questão da fome e da miséria. Com a palavra e com a cerveja, estava Quiri, muito de pé e nada à vontade, fazendo sua doutrinação, já com vários apartes para atender:

-         Isso é obrigação do governo...

-         O governo mal pode com suas próprias calças, vai poder com um problemão desse tamanho? – comentou, criticamente, o ex-sargento Caçamba, a essas alturas quase na diagonal, no meio da cena.

-         Tem que poder – retemperou, sabiamente, Dr. Camalhoso, estendido em seu canto, atrás de seu reluzente anel de bacharel aposentado.

-         Tem que poder, concordo com o doutor, pra isso recolhe os impostos – atravessou Sinaleira, muito convicto, enquanto recarregava as químicas de seu estranho guaraná.

Afonsinho, recém chegado, ainda fora do clima, quis falar, mas foi cortado pela voz fina e penetrante de Silvério, respeitado e conhecido ex-oficial de justiça, com muitos mandados na conta.

-         Não tiro a razão do meu doutor, mas acho que nós todos temos a obrigação de dar uma ajuda a essa pobre miserável. Temos que fazer a nossa parte.

-         Que parte? Que obrigação? – saltou, enfurecido, Mofão, ex-candidato a muitos mandatos na Câmara de Vereadores, até então ocupado com seu sanduíche.

-         A parte de fazer o que o governo não faz – enfim, pôde falar Afonsinho.

-         Então temos que juntar forças para obrigar o Governo a fazer o que ele tem o dever de fazer e não faz – disse, vagabundamente, Joaquim, do alto de sua tranqüilidade, gerada no imponderável espaço compreendido entre um copo de caipira e um cigarro amigo.

-         Temos é que organizar a sociedade para um eficaz e decisivo combate à miséria – se soltou Afonsinho. Se formos esperar pelas providências governamentais melhor então acreditarmos que as galinhas um dia terão dentes.

-         Em véspera de eleições, eles se mexem – comentou Quiri.

-         Se nós fizermos a parte do Governo, seria justo que o Governo fizesse a nossa – falou mais uma vez, com ênfase, Dr. Camalhoso, em tom professoral.

-         As elites que põem e tiram os governos é que devem assumir essa responsabilidade – disse, incisivo, o gritão Ferrabraz, um sindicalista de granada no bolso do pijama.

-         Que elite, que nada! O assunto é sério! Tem gente morrendo e matando de fome – ponderou Afonsinho, tentando reconduzir a conversa para um plano mais razoável.

-         Ultimamente, tenho visto gente matando por um par de tênis, mas não por um prato de comida – atacou forte o ex-sargento Caçamba.

-         Isso é coisa de televisão, a realidade é bem outra – sustentou Afonsinho.

-         Olha, vou dizer uma coisa pra vocês: Vai chegar o dia em que metade da população não vai dormir de fome e a outra metade não vai dormir de medo dos que estão com fome.

-         Fome coisa nenhuma! Procura alguém para trabalhar, pra ver se acha!

-         Emprego todo o mundo quer, mas trabalho que é bom... Essa gente está habituada a pedir porque tem gente que está habituada a dar – perdeu a paciência Mofão.

-         A coisa não é bem assim – interferiu Silvério. Tem gente passando necessidade mesmo. Irmãos nossos. Pais com muitos filhos para criar...

-         Aí é que está o problema. Essa gente se multiplica como rato.Desculpa, Rato, nada a ver! Não podem ter um filho e têm dez. E ninguém faz nada?

-         A natureza fala e a gente cala – filosofou Joaquim, bebericando sua poção.

-         Temos que dar a maior força a esses Comitês de combate à miséria que estão se formando em todo País. Esse é o resgate da cidadania – discursou Afonsinho.

-         Não me pise no ponche, meu jovem. Por favor não entre nessa seara – recomendou, com educação, Dr. Camalhoso.

-         Está certo, está certo. Mas vamos à luta. Temos que fazer alguma coisa.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Um minuto de silêncio

Pois a festa momesca teve lá seus percalços, este ano, um Cerro Fino. O Bloco dos Bambas – elevado, provisoriamente, à categoria de Escola por seus muitos feitos em prol da comunidade carnavalesca, teve contratempo agudo, justamente na véspera de botar seu samba na rua: Morre-lhe a vetusta e nonagenária mãe de seu Presidente. Foi o caos. A comoção foi geral. Houve até quem dissesse que tal perda era, deveras, irreparável. Tratava-se da mãe do líder, e ia desta para melhor em hora, inegavelmente, injusta e imprópria.
A velhinha tinha dado sinais de desavença com a vida em agosto mas, enfim, resolveu expirar em fevereiro...
Foi decretado estado de calamidade pública no Bloco. A Diretoria resolveu que ficaria em reunião permanente. Argumentos de um lado, condolências do outro e não se chegava a um estágio de equilíbrio dentro do grupo. Na primeira rodada de conversações ficou resolvido que a Escola guardaria luto siciliano e não colocaria o pé fora da quadra. Os instrumentos, incansavelmente tangidos, tocados, afinados e lustrados, no correr do ano, foram solenemente guardados para oportunidade mais alvissareira.
Entardeceu, ventou, choveu e o Bloco serenou. Na manhã do dia D, o tão esperado dia de brilhar na avenida, as conversações foram reatadas. Muito debate, diversos e cansativos discursos e a indefectível questão do “sair ou não sair”, foi posta, novamente, na mesa. Protestos de um lado, ponderações do outro, a situação estava escorregando para a radicalização, quando falou forte o mais velho da tribo. Experiente, homem de muitas luas e muitos sóis, abriu um claro de silêncio para deixar seu argumento passar. Disse que, no fundo, sinceramente, uma coisa nada tinha a ver com a outra, pois apostava que a pranteada mãe do presidente, se ali estivesse, como de fato estava, seria a primeira a querer que a Escola brilhasse na avenida. Deu pano pra manga afirmação tão contundente. Lá na cozinha acendeu-se uma esperança, mas na sala as caras continuavam amarradas. Alguém levantou a idéia de resolver o caso na boca da urna, sintonizando o samba-enredo mais vencedor deste país, que era o da eleição geral, global e total. E assim foi feito. Contados os votos, venceu por ampla margem, a proposta de sair e botar pra derreter. Venceu, mas sob duas severas condições: Primeiro, não concorrer a prêmios e segundo, respeitar um minuto de silêncio lá, na hora suprema do evento.
Tudo acertado, instrumentos recalibrados, porta-bandeira nos trinques, bateria dando chispas, puxador afinado, saiu a escola encarando o samba/tema, pegando fogo. O samba corria solto mas a Escola, lá no fundo, estava triste e melancólica. Sambava, é verdade, mas com visível consternação. Na frente do Palanque Oficial o breque foi mortal. A evolução vinha num crescente ao som vibrante do “ala lá, ô, ô, ô,” e estancou de repente, como se aquele tivesse sido o último ato carnavalesco de todos os tempos. Silêncio total. As moscas foram, pela primeira vez, ouvidas no reinado de Momo. O próprio Presidente fez a senha de que o minuto estava se exaurindo. O maestro fez o gesto de que o minuto tinha acabado. No mesmo instante a massa foi despertada para a continuação do efusivo e contagiante “ala lá, ô, ô, ô...” - como se nada tivesse acontecido. Depois disso o Bloco, elevado provisoriamente à categoria de Escola, atravessou a noite e o resto da avenida espalhando samba e batuque por todos os lados – coisa de levantar defunto...
E assim, Cerro Fino provou, mais uma vez, que é possível juntar extremos; servir a dois senhores; conciliar teses e antitéses; unir sim e não; equilibrar querer e dever; amigar razão e paixão. Tudo é possível – desde que seja no carnaval... 

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Leite no Portão

      Ao entardecer, era hábito tocar-se por diante uma vaca ou duas, rua a fora, para ser, doce e calmamente, ordenhada ao gosto do freguês.
         Depois que o General Mac Arthur disse que “juventude não é um período da vida e sim um estado de espírito”, não temo contar certas experiências pessoais de antanho que, como quer, denunciam uma longa jornada de primaveras.
         Do alto dessa sacada juvenil, tão estranha no estilo quanto absoluta no conteúdo, é que falo de um fato visto, vivido, acontecido e provado, há mais de 40 anos.
         No tempo em que os paralelepípedos e o asfalto ainda não tinham rendido as ruas de terra, pois, até em volta da praça houve formidáveis “peludos”, em dia de chuva, vendia-se (quase dado) leite, de porta em porta, espumoso, quentinho, gostoso, saído a gosto, da genuína embalagem original. Ao entardecer, era hábito tocar-se uma vaca ou duas, rua a fora, para ser doce e calmamente ordenhada ao gosto do freguês.
         A caravana sempre muito lânguida, mas providente, ia parando aqui e ali, saciando a sede, a melancolia e a tradição de uns, outros e outros. Juro que um dia flagrei o sol do ocaso, aceso de curiosidade, fazendo tempo, atrasando a marcha, só para assistir a engraçada cena. Digo mais – doa a quem doer – que vi o astro-rei morrendo de rir, mais do que de entardecer, daquela vista insólita, muito humana.
         A nossa vaca era de uma mansidão patética. Cruzada de Normando, espatifava, lenta e ruidosamente, seus pesados cascos, rua a dentro, deixando um rastro de odor original e sábias pegadas. No portão armava-se o circo. Uma bandeja cheia de canecas vinha lá de dentro. Do lado de fora, a gurizada inquieta reinventava travessuras. No rigoroso limite de seus botões, no mínimo dois adultos, suficientemente sérios, punham ordem da farra. Meia dúzia de desocupados emprestavam brilho ao encontro.
         A vaca, imperturbável, bovinamente ruminava, enquanto o conhecido leiteiro, muito dono de sua função, multiplicava mãos, gestos e gentilezas. Um copo para o menino, uma caneca para a menina. Bastante espuma para um, menos para o outro. E assim morria o dia, de barriga cheia e alma vadia...
         Naquele tempo, servia-se leite de casa em casa, com vaca e tudo. Não havia saquinhos nem prazo de validade do produto. Era tudo feito de forma direta – sem intermediários ou subterfúgios...
         Eu conto o que sei, o que vi, e o que experimentei! Disso mais dirá o sol daquelas tardes, testemunha fidedigna dos fatos que relatei.
         Fala sol...! Se faltar o verbo, que fale a lua, a estrela, o corisco, a fada ou a fantasia...

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

A Crítica

Das histórias de D. Pedrito antiga, gosto muito de uma que conta a passagem de dois compadres, que vinham pela estrada do Ponche Verde, lá pela década de 40, a bordo de um Modelo A, ou coisa que o valha. Lá pelas tantas, disse o que vinha de passageiro, para o que estava no volante:
-         Mas tchê, tu não consegues nem enxergar os buracos!
-         É, e tu enxergas porque não vens manejando!
Tirando o conteúdo anedótico do causo, cabe em qualquer e sob os mais diversos pretextos, uma ilação sobre o teor crítico do incidente.
Vejam que o motorista dava-se por satisfeito, a braços com tarefa tão complicada que era a de guiar. Ao passageiro sobrava tempo e atenção para observar os solavancos. A exaustiva e exclusivista incumbência da pilotagem era ação quase sobre-humana, que ocupava todos os sentidos e exigia heróica destreza. O outro, apenas um passageiro sofrendo, solidariamente, os incômodos percalços da estrada, adensados pela intrepidez do motorista, reclamava, em altos brados e alguns galos na testa, a direção perigosa.
A lição que fica e ficará é a de que a crítica sempre estará mais à mão de quem não tem as mãos ocupadas. E não há mérito nem demérito nisso. É um fato da vida, do mundo e das circunstâncias. E, observem, bem atual e sempre universal. Se transportarmos a história para nossa relação com o Poder Público, por exemplo, veremos que tudo se encaixa. Tantas e tantas vezes reclamamos do piloto dessa mau incauta chamada Administração, quando, na verdade, a máquina é ingovernável, numa estrada tão ruim. Sejamos, no mínimo, tolerantes ou atentos e ativos co-pilotos, ajudando na travessia, em nome da boa chegada e contra os maus torcicolos...


Escrever

      A mórbida sanguessuga grudara-se, vagarosamente, na perna de Rita e um grito de medo/surpresa repicou nas suaves ondulações da lagoa.
         Um ventinho clássico, enrugando a tarde, fustigava a melena de Romário, estancando na barranca, de olho na bóia. Maria coçava, preguiçosamente, a palma da mão esquerda, campeando, no vazio, muitas luas para seu sonho de menina. Pitangas bravias tingiam a boca inexperiente de Lucas. Milena penteava-se com moleza e graça. Chico corria, obstinadamente, atrás de uma bola murcha. João quebrava gravetos com determinação e Pedro palitava os dentes com mansidão. Um bando de marrecas piadeiras pontilhava um tosco V no céu rosado e os galhos pendentes do velho salso choravam a morte de mais um dia de criação...
         Bem que esse poderia ser o bom começo de uma história simples, comum, promissora de emoções e repleta de qualidade humana. Esse flash de uma mera convivência familiar, espraiada em um dos milhares nichos de nossa rica e agredida natureza, poderia traduzir a grandeza das relações inter-pessoais embutida na misteriosa gruta do aleatório. O papel aceita tudo. Melhor dito, possibilidade extrema. Tal como no sonho, tudo pode acontecer. Escrever é destrancar cancelas existenciais e arregaçar entranhas emocionais, sem medos e sem culpas, para o que der e vier. Escrever é saltear tijoletas, pisando as desiguais, pulando linhas, num bailado tresloucado em busca de... liberdade.
         Escrever é vencer, sem tréguas, o soluço do corriqueiro. Escrever é desafiar, perigosamente, a suspeição do impossível...
         Na verdade, muito mais se exige na arte/ciência de escrever e convencer.
         A forma tem seu valor, mas o conteúdo é que realmente move e comove. A lógica não é imprescindível. A coerência é. O encadeamento é quase desprezível mas o comprometimento do contador é fundamental. Não basta narrar, é preciso sentir, se possível vivenciar, um tanto e um quanto do que se narra.
         O contador tem que sagrar suas próprias veias para revolucionar a alma do leitor. Escrever não é um ato impune. Escrever é a espontânea auto-condenação ao severo castigo em busca da expiação para a transcendência. Transcender é o limite para o ilimitado...
         Escrever é um meio e o fim será sempre incomensurável. No fundo, escrever é um tique subjetivo que toca o próximo pela semelhança ou pela imensa diferença sentimental ou circunstancial. O escrito é, no íntimo, o arrimo universal da inquietude das almas que crescem e por isso... padecem...!
         Escrever é a sufocação da mediocridade pelo supremo sopro da inspiração.
         Escrever é dedilhar estrelas, tanger nuvens e percutir o infinito.
         Escrever é o grito que a humanidade faz ecoar para viver e renascer.
         Esse o ato de escrever. E para os céticos ou desligados é bom que se diga que escrever é tudo isso e mais, porque será apenas loucura e insensatez pensar que o mundo na humanidade não será tão fundo, para sempre criar assombros – separando os dedos e juntando os ombros.
         Escrever é o sublime vício de liberdade... 

terça-feira, 30 de agosto de 2011

RECEITAS LUSITANAS


“Pão de hoje; carne de ontem
e vinho de outro verão, fazem o
homem são”.
        
         Meu avô, português, com quem convivi, fraternamente, até a penúltima dobra de minha adolescência, sempre cultivou respostas lúcidas para indagações febris. Como bons amigos, seguidamente trocávamos conversas úteis, francas e afetivas. Uma distância de quase sessenta anos no tempo cronológico, era quase insuficiente para criar diferenças ou levantar barreiras nesse relacionamento, que hoje invoco com tanta saudade.
         Falávamos de política, economia, religião, custo de vida, saúde, comidas, desmandos governamentais, progresso de Portugal, atraso do Brasil – filosofia teórica e prática – e coisas do dia a dia...
         Raramente falávamos de futebol! Tal rareza encontrou seu ponto extremo na Copa de 66, quando nossa Seleção perdeu, fragorosamente, para a equipe portuguesa. Evitamos o assunto para desviarmos prováveis incômodos e desconfianças. De carnaval, não falávamos, mas sempre coloquei ouvidos para apreciar, em silêncio, sua opinião, rigorosamente crítica, a respeito dessa festa, de muito gasto e pouco proveito.
Fundidas à imagem desse amigo, estão as tiradas, as observações, as críticas, as opiniões, os conselhos, as espontaneidades e as indefectíveis receitas, tão lusitanas na forma quanto humanas no conteúdo. Nascido na região de “Trás os Montes”, província de Mirandela, a um palmo da Espanha, aprendeu a fermentar a folclórica rivalidade com os fronteiriços. E para dizer sem rebate, sentenciava: - “Da Espanha, nem bons ventos nem bons casamentos”. A quizila histórica era de fundo cultural ou circunstancial, certamente.
Mas tão antiga que não valia a pena saber a origem.
“Um bom genro – beije-se-lhe os pés”.
“Nada mais caro e perdulário do que o desnecessário”.
“Para um bom vento há sempre um mau tormento”.
Sabedoria fácil, direta, objetiva e ligeiramente ousada que me passava sem custos e condições. Certa vez, saímos pela cidade pesquisando preços de pedra de isqueiro. Se alguém se choca com a diminuta valência dessa missão, que não esqueça que toda a areia da praia é feita de grão em grão...
“Ora, não me venhas de borzeguim ao leito” – costumava dizer para neutralizar a chatice de certos assuntos ou atitudes que vêm à tona em hora imprópria.
Sentado de costas para o vazio, olho, com mansidão, as marcas que o tempo fez. Encontro nelas o contorno da promissão e vários riscos que a vida e a imensidão rascunham de graça ou por vocação.Olho o espaço e vejo todos. Olho o tempo e vejo tudo. Para que eu olhe e sempre veja, comerei o pão de hoje e a carne de ontem, regados pelo vinho do outro verão. Só assim poderei alimentar a esperança de quem, um dia, outros verão...

terça-feira, 23 de agosto de 2011

SE NÃO ME FALHA...


Quem já não teve tropeços de memória? Sim, aquele “branco”, justo quando se quer lembrar o nome de um amigo, um número de telefone, o compromisso inadiável, a conta para pagar, o aniversário, o horário, a fisionomia, a chave, documentos, momentos, a dentadura, o olho de vidro, a aliança, o colete, o verbete, o guarda-chuva, o endereço, o recado, o pecado, a história... Ah, essa memória que nos tortura!
Quem já não teve aqueles famosos lapsos inoportunos, no discurso de improviso, no encontro casual, na prova valendo nota, no cadastro valendo nada, no telefonema valendo tudo? Quem?
Segundo estudos de técnicos americanos, só o bicho homem tem a inigualável faculdade de esquecer ou de não lembrar. Alguém, por acaso, conhece vaca esquecida? Jacaré esquece? Saracura tem a capacidade de não lembrar? Os animais não esquecem, daí porque a justa comparação quando alguém se salienta na arte de tudo lembrar – esse tem memória de elefante...! Vá que seja!
Na média, somos todos um alegre bando de esquecidos.
Análise mais acurada do assunto exigiria alguns reparos sempre úteis para o perfeito entendimento da espécie humana. Na verdade, existem os desmemoriados e os distraídos. À primeira vista parecem vinho da mesma pipa mas, justiça seja feita, são bem diversos na soma total das parcelas.
O esquecido é isso por isso mesmo, e o distraído é o que geralmente lembra errado.
O primeiro, se não lembra, não diz. O segundo, porque nunca lembra, sempre diz as coisas mais disparatadas possíveis. Diz e faz...!
Certa vez, armou-se discussão em torno de um caso bem estranho: Um sujeito que foi ao baile e esqueceu a mulher em casa. Esquecido ou distraído?
“Pura distração”, dizia um grupo, “esquecimento puro e simples”, dizia outro. “Esse é um caso de legítima desmemória”, argumentava um dos debatedores. “O distraído autêntico jamais cometeria essa gafe, iria ao baile, só que com a mulher errada...!”
Debates à parte, todos sabemos o drama que é esquecermos o que deve ser lembrado.
Para tudo há remédio, dizem estudiosos do tema. Há maneiras e artifícios para baixar, consideravelmente, a estatística do esquecimento. Aconselham os práticos que se anote tudo em uma agenda. Dia, hora, o quê, quem, onde, por quê, tudo. Não tem erro desde que não se esqueça a agenda. Não é raro toparmos, diariamente, com uma legião de fantasmas, com olhar perdido, à caça desesperada de suas próprias agendas.
E hoje temos as moderníssimas agendas eletrônicas, verdadeiros prodígios da tecnologia, tão difíceis de manusear, tão fáceis de perder. Há quem diga ter visto uma novinha em folha, dormindo alegremente na geladeira, bem ali na prateleira das saladas. Pior se estivesse no forno...
Não é consolo, mas, vendo bem, todos, um dia, já mastigamos esse contratempo. Todos! Já os esotéricos recomendam recurso bem mais resolutivo para a questão. Sugerem o denominado artifício do “terceiro elemento”. O adequado “adorno referencial”, para onde convergiria a energia emanada do esforço de lembrar, faria a grande diferença na hora H do “tilt” da memória. Uma fita no dedo, uma melancia no pescoço, uma pedra no bolso, uma corrente de cachorro na cintura, uma nota de cem dólares colada na testa, uma jibóia enrolada no braço, um tamanco holandês no pé esquerdo, um lambari dentro da pasta, uma fotografia da Tiazinha no pára-brisa e outra do Ministro da Fazenda na carteira, são maneiras infalíveis de sempre lembrar e nunca esquecer.
Lembrar o quê, mesmo?...
Ah, som! Lembrar de não esquecer...