quinta-feira, 22 de novembro de 2012

LEGAL...! SÓ?...


LEGAL...! SÓ?...

         Gentilmente convidado a ministrar palestra para o público jovem, rapidamente escolheu tema atual, pertinente e revolucionário. Falaria sobre cidadania. Juntou livros, fez apontamentos, ensaiou textos, cortou palavras difíceis, preparou frases de efeito, despenteou o ralo cabelo, vestiu jeans, tênis, camiseta, pegou seu esqueleto e foi para o meio da galera.
         Recebido com certa formalidade (a palestra valia nota), foi logo despejando uma densa fornada de questionamentos sobre saudáveis cabeças povoadas de adolescentes perevas e tiques de puberdade.
         A platéia ouvia atenta a saraivada mas não conseguia esconder o susto e a confusão.
         O homem é sujeito ou objeto da história? O indivíduo é produto do meio? Os fins justificam os meios? Os meios condicionam os fins? O que é uma escala de valores morais? O que é Pátria? O que é Nação? Como se afere identidade nacional? O que é democracia? O que é demarquia? Deus existe? O Estado existe? Qual o ponto de equilíbrio das vontades coletivas? Qual a gênese das revoluções sociais? Como se identifica um líder? As sociedades são omissas ou submissas? Ignorância ou indiferença? O que é engajamento social? Com quantos paus se faz uma canoa política? O que é Federação? O Brasil tem futuro? Qual a diferença entre civilidade e civilização? O que é voto direto, secreto, pessoal e universal? O que é justiça social? O que é comunismo, solidarismo, socialismo, capitalismo e cooperativismo? Quem manda e quem obedece? Quem usufrui e quem padece?
         As moscas silenciaram porque no vasto auditório zunia o desconforto da total incompreensão... “Qual a diferença entre liberdade, independência e soberania? Onde se instala o reduto divisionário dos direitos e das obrigações? Para que servem os governos? Ser, estar, fazer, ter ou saber? Para que servem os símbolos pátrios? O eu, o nós e o todo..? Quem tem de dizer o que é direito? Por que?...”
         Um milagroso lampejo de oportunidade cutucou o entusiasmado palestrante e o fez parar e refletir. Sabiamente silenciou perante a silente e confusa platéia e deixou que apenas a sutileza dos olhares atônitos balizassem o caminho da verdade.
Verdade??...
         Na verdade, a palestra seria uma conversa amiga, um diálogo promissor, um bate-papo esperto. Nada disso acontecia, até então – por culpa exclusiva do peso morto dos conceitos, necessariamente, chamados ao tema. Mais gratificante teria sido falar, abertamente, sobre temas mais relevantes tais como “bandas de sucesso”, “novelas”, “carros e motos”, “internet”, “shampoos”, “tele-sena”, “regimes para emagrecer”, e “fórmulas para enriquecer”. Sucesso mesmo faria a palestra sobre os diversos e inusitados conteúdos do imponderável “ficar”.
Mas o palestrante neurótico tinha escolhido o assunto “cidadania” e haveria de pagar o alto preço de sua infeliz escolha.
         Olhou geral a espera de um “feedback” amigo e nada. Olhou de novo, com ostensiva indignação e nem sinal. Então resolveu perguntar, no duro e na direta:
-         O que vocês pensam a respeito???
Silêncio total.
-         Quem poderia me dizer alguma coisa a respeito disso tudo o que foi questionado???
Fala tu – fala ele – fala você. Depois de muito empurra-empurra a unanimidade da turma fez levantar um desajeitado comprido, cheio de pernas, braços e ambivalência adolescente, chamado Maiquel, para responder:
-         “Então, Maiquel, o que achas de tudo isso?”
-         “Legal...!”
-         “Legal...???”
-         “É isso aí...”
O furioso palestrante quase caiu dos ares. Pensando rápido recompôs a postura e o entendimento. “Legal” era a suprema síntese da aprovação sem “grilos”. “Legal” era tão somente a grandeza qualificada para separar o “on” do “off”; do “enter” e do “anula”; do “salvar” e do “deletar”. Esse click sumariamente verbalizado, tinha que ser, rigorosamente valorizado em prol da comunicação especial e do acerto geral.
-         Então, quero crer que vocês entenderam a importância dessas perguntas para o bom encaminhamento da cidadania.
-         Só..! ? respondeu o mesmo Maiquel, do alto de sua juventude inocente e radiante, pronto para a paz e a compleição para a guerra...
“Guerra não é legal – paz é...” Só ?...? !


sexta-feira, 16 de novembro de 2012

RISCO DE MORTE


RISCO  DE  MORTE

         Acabara de comprar a melhor cobertura da Silva Sampaio. Móveis, utensílios e comodidades viriam logo, logo, a peso de dólares, pela influência gorda de um amigo prático, estrategicamente estacionado no Ministério da Fazenda. O carro, cheio de firuletes, não faltava falar... As roupas, caras, exclusivas e feias, vestiam bem o ego e mal tapavam a mancha congênita que insistia no braço esquerdo. No pulso, um relógio condensado em ouro, marcava a hora exata de examinar o iate depois de breve telefonema ao corretor da Bolsa:
-         Alô, Jorge, aqui é o Midas Ferreira.
-         Olá. Como passa o Senhor?
-         Tudo bem, tudo bem. Olha, meu tempo é curto, portanto, presta a atenção.
-         Pois não, doutor, pois não.
-         Vende aquele lote da semana passada e compra algum outro que te der na telha.
-         Pode deixar, doutor. Tudo bem. Providenciarei imediatamente.
-         Tchau.
-         Passe bem, doutor.
O telefonema tinha lhe dado uma pequena fome. Com quem almoçaria naquela quarta-feira de sombra e vento?? Zélia, a fiel secretária, por certo já tinha providenciado tudo. Tomara não fosse aquele banqueiro suíço, branco, mole e chato que, em língua portuguesa só aprendeu a dizer “obrigado”... Não, Zélia era mais esperta do que se pensava. E o jantar, com quem seria? À noite não poderia esquecer o compromisso com Vanessa que pedia, encarecidamente, a oportunidade de agradecer-lhe o “vison” recebido no Natal. E o esboço da conferência em São Francisco será que já estava devidamente composto e corrigido? Infelizmente o Cairo teria que esperar mais seis meses por sua presença para a reinauguração das novas luminárias das Pirâmides...
-         “O Mundo merece a Paz”... – tinha dúvidas se esse seria o fim ou o começo de seu discurso na centésima trigésima Conferência das Nações, em março próximo. Na hora saberia como resolver. Se não soubesse, seus diletos assessores dariam a última palavra. Ah, Monte Carlo: Chatíssima seria a escala na Etiópia para abraçar aquelas esquálidas crianças e assinar um cheque na frente das câmeras. Será que o Freitas fechou aquele negócio das minas na Bolívia? E as madeiras da Amazônia? E o petróleo do Paraguai? Problemas e mais problemas... Assim acabaria ficando irremediavelmente doente... Onde penduraria o quadro de Milton? Será que poderia ser ao lado do deVan Gogh? E os tapetes persas? A raridade faz a grande valia desse artesanato. Mais de setenta poderiam comprometer essa constante. Seria preciso vender alguns. Trocar, seria mais digno. Trocar por esmeraldas. Mineiras, quem sabe (?). Acontecesse o que acontecesse, teria que comparecer ao coquetel que o Presidente vai oferecer ao Mundo Livre, para consolidar o capitalismo. E o Bill? O que faria com o Bill? Seria prático e objetivo: daria rosas a Nancy e um par de botas a Bob. A questão da África do Sul preocupava, mas meia palavra sua seria  suficiente, para resolver as coisas. Pior era o impasse entre as tribos afegãs. Será que teria de usar napalm para acalmar os ânimos?? Qual o número da conta bancária dos hemofílicos da Irlanda? “Se não me engano, hoje é o aniversário do meu alfaiate”. “Qual o nome do chefe do meu Projeto de Mísseis”?
-         “O Irã me preocupa. O que farei para baixar a inflação brasileira?”
Ah, finalmente em casa – lar, doce lar.
-         Mãos ao alto, isto é um assalto.
-         Tudo bem, o que queres?
-         O teu prestígio – a tua imortalidade.
-         Isso eu não te dou, por dinheiro nenhum.
-         Então vou te matar.
-         Pode matar.
E o bandido apertou o gatilho duas vezes mas só conseguiu ouvir o sinal metálico do controle remoto trocando de canal. Pra sempre. Eternamente... Clic!