LEGAL...! SÓ?...
Gentilmente
convidado a ministrar palestra para o público jovem, rapidamente escolheu tema
atual, pertinente e revolucionário. Falaria sobre cidadania. Juntou livros, fez
apontamentos, ensaiou textos, cortou palavras difíceis, preparou frases de
efeito, despenteou o ralo cabelo, vestiu jeans, tênis, camiseta, pegou seu
esqueleto e foi para o meio da galera.
Recebido
com certa formalidade (a palestra valia nota), foi logo despejando uma densa
fornada de questionamentos sobre saudáveis cabeças povoadas de adolescentes
perevas e tiques de puberdade.
A
platéia ouvia atenta a saraivada mas não conseguia esconder o susto e a
confusão.
O
homem é sujeito ou objeto da história? O indivíduo é produto do meio? Os fins
justificam os meios? Os meios condicionam os fins? O que é uma escala de
valores morais? O que é Pátria? O que é Nação? Como se afere identidade
nacional? O que é democracia? O que é demarquia? Deus existe? O Estado existe?
Qual o ponto de equilíbrio das vontades coletivas? Qual a gênese das revoluções
sociais? Como se identifica um líder? As sociedades são omissas ou submissas?
Ignorância ou indiferença? O que é engajamento social? Com quantos paus se faz
uma canoa política? O que é Federação? O Brasil tem futuro? Qual a diferença entre
civilidade e civilização? O que é voto direto, secreto, pessoal e universal? O
que é justiça social? O que é comunismo, solidarismo, socialismo, capitalismo e
cooperativismo? Quem manda e quem obedece? Quem usufrui e quem padece?
As
moscas silenciaram porque no vasto auditório zunia o desconforto da total
incompreensão... “Qual a diferença entre liberdade, independência e soberania?
Onde se instala o reduto divisionário dos direitos e das obrigações? Para que
servem os governos? Ser, estar, fazer, ter ou saber? Para que servem os
símbolos pátrios? O eu, o nós e o todo..? Quem tem de dizer o que é direito?
Por que?...”
Um
milagroso lampejo de oportunidade cutucou o entusiasmado palestrante e o fez
parar e refletir. Sabiamente silenciou perante a silente e confusa platéia e
deixou que apenas a sutileza dos olhares atônitos balizassem o caminho da
verdade.
Verdade??...
Na
verdade, a palestra seria uma conversa amiga, um diálogo promissor, um
bate-papo esperto. Nada disso acontecia, até então – por culpa exclusiva do
peso morto dos conceitos, necessariamente, chamados ao tema. Mais gratificante
teria sido falar, abertamente, sobre temas mais relevantes tais como “bandas de
sucesso”, “novelas”, “carros e motos”, “internet”, “shampoos”, “tele-sena”,
“regimes para emagrecer”, e “fórmulas para enriquecer”. Sucesso mesmo faria a
palestra sobre os diversos e inusitados conteúdos do imponderável “ficar”.
Mas o palestrante neurótico tinha escolhido o
assunto “cidadania” e haveria de pagar o alto preço de sua infeliz escolha.
Olhou
geral a espera de um “feedback” amigo e nada. Olhou de novo, com ostensiva
indignação e nem sinal. Então resolveu perguntar, no duro e na direta:
-
O que vocês pensam a respeito???
Silêncio total.
-
Quem poderia me dizer alguma coisa a respeito disso tudo o que foi
questionado???
Fala tu – fala ele – fala
você. Depois de muito empurra-empurra a unanimidade da turma fez levantar um
desajeitado comprido, cheio de pernas, braços e ambivalência adolescente,
chamado Maiquel, para responder:
-
“Então, Maiquel, o que achas de tudo isso?”
-
“Legal...!”
-
“Legal...???”
-
“É isso aí...”
O furioso palestrante quase
caiu dos ares. Pensando rápido recompôs a postura e o entendimento. “Legal” era
a suprema síntese da aprovação sem “grilos”. “Legal” era tão somente a grandeza
qualificada para separar o “on” do “off”; do “enter” e do “anula”; do “salvar”
e do “deletar”. Esse click sumariamente verbalizado, tinha que ser,
rigorosamente valorizado em prol da comunicação especial e do acerto geral.
-
Então, quero crer que vocês entenderam a importância dessas perguntas
para o bom encaminhamento da cidadania.
-
Só..! ? respondeu o mesmo Maiquel, do alto de sua juventude inocente e
radiante, pronto para a paz e a compleição para a guerra...
“Guerra não é legal – paz
é...” Só ?...? !