quarta-feira, 29 de junho de 2011

PARA ESQUECER

A noite era chuvosa e fria e as horas soltas dançavam, tímidas, no pêndulo do velho relógio. Parece que, ao mundo, naquele momento, não estava outro remédio senão aninhar-se no poncho e descansar.
Descansar? A campainha tocou forte. Do outro lado da porta, um tipo de fisionomia mansa, coroado por roto chapéu, vestindo bombachas, um pé calçado e outro não, no pescoço, um lenço outrora vermelho fazia o alto relevo tosco daquela escuridão sem par. O hálito era de cachaça ordinária.
Ensaiou qualquer coisa parecida com “boa noite” que, na verdade, era uma breve e lacônica consideração, quase filosófica, sobre o rabo da minhoca. Perguntei o que desejava. Quase na diagonal, visivelmente grato, suspirou com dignidade e atacou:
-         Patrão, preciso de uns troco!
-         Ah, já sei, é para a cachaça, não é?... – perguntei, afirmando com censura.
-         Não senhô – é pra comprá vela – duas pra o velório – da véia minha mãe... – falou e disse, com tristeza bafejante.
-         Então, não é para o vício?
-         Não senhô! Deus que me livre...
-         Espera aí que eu já volto! – fui lá e busquei duas velas. Pronto aqui estão...
-         Ué, o senhô tinha?... – comentou, sem esconder a decepção.
-         Pois é, a gente sempre tem, com essas faltas de luz...
-         Pôs lê agradeço. Deus lê dê em dobro. Passe bem... – e saiu, daquele jeito, sumindo no breu da noite chuvosa e fria.
Voltei para o meu canto pensando no gaúcho, na vida, na chuva, na noite, no frio... Às vezes só bebendo para entender (ou não entender) o encantamento dessas grandezas que fazem tão frágil nosso existir...
Quando quase me consumia no remorso desse pensar, tocou novamente a campainha. Abri a porta e lá estava o gaúcho, mais molhado que antes, com as velas na mão e no rosto uma fisionomia matreira.
-         Patrão, desculpe lê estrová – nóis se enganemo. A véia não morreu – tá mais viva que saracura no banhado. Vou lê entregá as vela, sem servintia...
-         Muito bem – se não precisa delas... – e fui fechando a porta. Mas o gaúcho taita, como quem conhece os atalhos da comunicação humana, convidou de lá:
-         Amigo véio, bamo tomá uns trago?...
Reabri a porta e o coração:
-         Então era canha mesmo que o senhor queria?
-         É pra afogá o susto... – disse, com voz mansa, do alto de sua simplicidade...
Fiz o gaúcho entrar e bebi com ele até afogar sustos, idéias, razões e considerações. No meio desse insólito, fico pensando: - será que o povo brasileiro não anda por aí pedindo velas quando, no fundo, quer é beber uma cachacinha amiga, em paz?
Será que nossa gente não anda inventando a morte da mãe (pátria) só pra sensibilizar quem lhe dá uns trocados para o trago?
Que trago? Certamente aquele gole para esquecer a miséria que jamais abandona os viciados na esperança... E no amor por este chão.
Será?...

segunda-feira, 27 de junho de 2011

A dívida

No meu tempo de ginásio a informação que nos chegava era a que o mundo inteiro devia para os americanos. E eram dívidas quase impagáveis. Falava-se muito pouco a respeito do FMI.
Mas era uma equação simples de administrar: - o mundo (com exceção dos países atrás da cortina de ferro) era devedor e os Estados Unidos credores. Dizia-se até, nos bastidores, que a própria Rússia, estrela maior da constelação comunista, chefona da “cortina”, devia aos americanos. Isso mesmo – em plena guerra fria, uma espécie de pré-guerra cheia de desaforos e ameaças. Fogo de palha como dizia o Amâncio, gaúcho velho atrás de seu fumacento palheiro. Naquele tempo era assim.
Hoje faço o desafio: - quem deve para quem?
Há quem diga que tudo continua igual: - todos devemos para os americanos.
Não procede, pois segundo “informações”, os americanos devem um absurdo. Para quem? Para seu próprio povo, que segundo outras “informações” deve para a comunidade mundial que por sua vez deve aos americanos.
Afinal: - quem deve o que para quem?
Hem?
Ah – para os Marcianos. Enfim alguma coisa razoável (e verdadeira?) nessa conversa sócio – financeira – político – econômica...
Carnavalesca! E rode-se o mundo e a roleta...

terça-feira, 21 de junho de 2011

Pós maconha... (?)

A recente decisão do Supremo de não proibir a manifestação coletiva a favor do consumo da maconha tem implicações bem mais profundas do que nossa vã filosofia.
A liberdade de expressão implícita no espírito da decisão, faz simetria com a democracia de caderno e não merece qualquer reprovação. Em um regime de liberdade todo e qualquer cidadão tem pleno direito de manifestar seu pensamento, seu gosto, sua razão, sua paixão. Esse é um direito soberano, inalienável, inegociável e intransferível. Mas é um direito rigorosamente pessoal.
No plano coletivo, no entanto, o entendimento diverge. Nem sempre o direito do grupo é o mero somatório dos direitos individuais. E no caso específico da manifestação em prol do livre consumo da maconha, tal realidade se adensa, e por isso mesmo se complica. Pedir individualmente tem a feição da personalidade, da vontade, da idéia, da crença, sempre na medida exata de cada um e de suas circunstâncias. Pedir coletivamente tem caráter reivindicatório, partidário, apologético, revolucionário, ideológico. Não vejo como, em um Estado de Direito, permitir-se a defesa pública e publicitária de uma conduta convencionadamente proibida.
Salvo juízo extra-normativo, fumar ou traficar maconha, no momento, constitui crime em nossa sociedade.
Propagandear contra essa norma será o que? Por acaso será legal? Se assim é ou há de ser, o que diremos amanhã, se os traficantes arregimentarem (comprarem) pessoas para defenderem em passeatas, comícios e foguetórios o uso indiscriminado do crack, da coca, do oxi e por aí vai?
E pela mesma via lógica e decisória não restará outra saída senão permitir a livre manifestação grupal a favor do aborto, do comércio de armas, da prostituição infantil, etc.
A porta está aberta!
Há quem conteste argumentando que a sociedade “sadia” também tem a mesma chance de defender aos quatro ventos, condutas relevantes, éticas e produtivas, fazendo campanha, pelas ruas, em prol da moral e dos bons costumes.
Mas essa sociedade, que pensa, que reflete e que labuta, que tempo tem para fazer passeata?
Que tempo? Mental, físico, espiritual, circunstancial, emocional, conjuntural? Que tempo?
Só os desocupados tem tempo para não ter tempo de pensar no bem de todos. Só os egoístas tem tempo para não ter tempo para ninguém além de si mesmos.
Nem todas as passeatas são feitas por desocupados e egoístas mas certamente egoístas e desocupados estão aptos a arruaças todo o dia, todos os dias, pelo resto dos dias. E quando tem a proteção da maior Corte do País, então... será um Deus nos acuda!
Acudirá?

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Política Estudantil

Simplificando, qualquer escola compreende no mínimo duas partes: alunos (corpo discente) de um lado e professores (corpo docente) de outro. Esse binômio – esse sistema, melhor dito, explica-se por si, conferindo um conceito básico do que seja, um educandário. Sem uma das partes não podemos entender a instituição como “uma escola”.
Por esse encaminhamento lógico, é mais do que oportuno afirmar-se que qualquer dos lados, idealmente, teriam uma relação de coordenação e poderiam, cada um, ter sua própria organização político-representativa e administrativa.
Se podem os docentes instituir um centro que os represente, porque  os discentes não poderiam?
Parece que esse seria o fundamento para a criação e manutenção de “entidades estudantis”, tais como “grêmios, conselhos, centros, uniões, etc”!
A Sociedade, como um todo, só ganharia, com o incentivo a criação de entidades desse gênero.
Pensem e incentivem.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

PENDENGAS

Carregando um pesado e incômodo gesso na perna direita, Josias resolveu cobrar do pedreiro a indenização pelo prejuízo. Acontece que o bom Josias quebrou a tíbia justamente no banheiro, ao escorregar no sabonete, em plena segunda-feira. O fato é que a saboneteira de seu Box, colocada de maneira displicente, facilitou a queda do sabonete que por sua vez patrocinou a escorregada, que então provocou a fratura.
Alguém já conferiu essas saboneteiras de parede colocadas dentro do compartimento do chuveiro? São um desastre. Sabonete usado ali não pára, nem que a vaca tussa.
E agora, o atento e querelante Josias, cobrava na Justiça a capenga conta de sua quebradura. E tinha boas chances de ganhar em todas as instâncias pois, para sorte da causa, juiz e promotor padeciam de mal semelhante, oriundo de conduta profissional culposa. Mas, afinal, onde estava o pedreiro facínora? Ninguém sabe, ninguém viu... Comentam que o pobre diabo morreu semana passada vítima de escorregão maior – simplesmente não conseguiu equilibrar-se no escasso fio de sua aposentadoria.
Ladislau quer processar o desenhista dos bancos do ônibus. Diz, e prova, que sua dolorosa escoliose provém da absoluta falta de ortopedia desse cômodo colocado, compulsoriamente, para uso e abuso de trabalhadores de baixa renda e altas obrigações como ele. Mas cadê o desenhista? Existe um desenhista? Quem saberá?
Pandolfo promete levar aos tribunais o fabricante da brilhantina. Diz e afirma que essa dita cuja alquimia é a grande responsável por sua formidável e brilhante calvície...
Careca de saber que sua gagueira vem do susto causado pelos noticiários sensacionalistas, Godofredo quer acionar a imprensa.
A unha encravada de Jasmim teve causa e origem no tosco e mal fabricado sapato da “Leva e Trás”.
Quem não sabe que as cáries de Jorginho foram provocadas pela ineficácia do dentifrício “Só Riso”?
E os pesadelos de Glorinha, quem não sabe que foram causados pela goma de mascar “Blou apel”?
Marianita quer seus direitos, ao perder o amor de Lindolfo por quilos a mais em razão daquele feijão abusado.
Quantos problemas... Quantas pendengas... O mundo só sabe brigar! Que útil seria se fôssemos mansos e compreensivos...
No tempo e na boa vontade, tudo se resolverá! Para que questionar? Sejamos pacientes. Seijammmoos paiccieentes. Oppa. O que há comm eesta makquina? Queero meeus dirreitos. Aos tribunais! Euu processo!

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Centro do mundo

Meu avô italiano costumava brincar, afirmando que Dom Pedrito era o centro do mundo. Quando seu compadre o contestava dizia: “... então saia caminhando sem torcer o nariz e um dia você voltará até aqui de onde partiu”...!
Centro ou não – estamos no centro das atenções, especialmente quanto a ocorrências “exóticas”.
Há quem diga que, por não termos mar, montanha, cataratas e neve tiramos partido de outros fatos e eventos. Será?
Pessoalmente prefiro ser lembrado como pedritense orgulhoso de sua terra e de sua gente, pelas inúmeras grandezas deste lugar: solidariedade, afetuosidade, sabedoria, coragem, trabalho, bondade, inventividade, gratidão, originalidade, arte, inteligência, paixão – enfim tudo isso que realmente significa, representa e é Dom Pedrito com sua carne, seu arroz, seu vinho, seu melão, seu festival de teatro, sua feira do livro, seus festivais da canção, sua Liga, seus clubes de serviço, seus escritores, seus escultores, seus produtores, seus pintores, seus atores, seus esportistas, seus cientistas, seus profissionais de todas as dimensões e, especialmente seu espírito humanitário vencedor. Dom Pedrito é isso. Se a mídia um dia quiser, a gente conta essa história com mais detalhes, e com muito orgulho no peito.
Um dia...