quarta-feira, 11 de junho de 2014

O tom da indignação

Houve um tempo em que bastava uma pessoa de bem – leia-se com peso moral e responsabilidade – falar de um assunto e este incorporava uma importância e uma significação marcantes na vida de uma comunidade. A densidade das palavras e das atitudes estava na dimensão equivalente da credibilidade, da confiabilidade, e do valor intrínseco do verbo e do exemplo. Era a verdadeira potência dos gestos e das palavras, em tempo de paz.
Hoje, porém, em que pese o grau de responsabilidade de quem fala, comentando, reivindicando, sugerindo, criticando, elogiando, etc, a mansidão não valoriza nem intensifica a essência e o conteúdo dos temas e das questões.
Em outros tempos se punha um governo a correr com a força das palavras e dos semblantes. Hoje os governos, de maneira geral, por terem perdido o recato, não se movem nem se comovem com isso. São surdos e cegos, mas, não são mudos, infelizmente. Quando querem subir ou se manter buscam apoios diversos, inclusive dos que falam com razão e agem com dignidade. Depois de vitoriosos tomam novas e polpudas doses de indiferença e antalgia.
Mas não se enganem, nem se compadeçam: - os governos não entraram definitivamente para o rol dos sensitivamente incapazes – não – não houve mutilação, perda de tecido ou ferimento grave. O que aconteceu foi “apenas” um deslocamento (eu diria envelhecimento) do tônus perceptivo governamental.
É a catarata oficial. E a surdez progressiva institucional. O que mudou, na verdade, foi o grau da capacidade de apreensão e compreensão dos governantes. Hoje não é qualquer murmúrio de quintal que demove a paquidérmica máquina pública. É preciso muito mais.
Hoje impera a denominada política do relhaço. É a nova (e funesta) era do látego, da gritaria, do quebra-quebra. Não é só a qualidade do protesto que mudou – mudou a forma, a quantidade, a contigencialidade e acima de tudo, o tom.
Aí estão as manifestações que abundam em nossas vias e povoam os noticiários. Sem terras ali, sem tetos aqui, sem emprego, sem saúde, sem segurança, sem veracidade, sem educação, sem comida, sem dignidade.
Nesse tom – quase sempre nos limites da barbárie – é possível perceber a comoção governamental e seu conseqüente requebrar de ossos. E move-se célere, solicito e visivelmente temeroso. Mas afinal, de que ou de quem tem medo o governo que, salvo melhor juízo, detém o monopólio da força? Tem medo da rejeição ideológica, da solidão administrativa, do esvaziamento assistencialista, do despropósito clientelista – tem medo de perder o voto, o poder, a vantagem. E por isso só tem olhos e ouvidos para escândalos e ruidosidades. Muitos setores de nossa sociedade há muito já se aperceberam disso – os sem terra, por exemplo, conseguem muito mais portando bandeiras invés de enxadas. As bandeiras geram ambiente de disputa. As enxadas amanham a terra e a alma, produzindo riqueza e calma. Quem quer isso? Os homens de bem querem – os governos populistas não.
Por essas e por outras, é que populações ordeiras e pacíficas como a nossa estão perdendo terreno e amargando um balaio de frustrações. Agora mesmo, educadamente, levanta-se contra o aumento da tarifa nas contas de água.
Fala, pondera, solicita, reivindica, faz abaixo assinados. Conseguirá ser vista e ouvida??
Ou terá que reger-se em outro tom – pelo diapasão da indisciplina? Nossos representantes e autoridades têm a palavra.

Mais que isso – tem a oportunidade da atitude! Que seja!