(artigo escrito e publicado em
agosto de 2007)
Houve um tempo em que bastava uma pessoa de bem – leia-se
com peso moral e respeitabilidade – falar de um assunto e este incorporava uma
importância e uma significação marcantes na vida de uma comunidade. A densidade
das palavras e das atitudes estava na dimensão equivalente da credibilidade, da
confiabilidade, e do valor intrínseco do verbo e do exemplo. Era a verdadeira
potência dos gestos e das palavras, em tempo de paz.
Hoje, porém, em que pese o grau de respeitabilidade de quem
fala, comentando, reivindicando, sugerindo, criticando, elogiando, etc, a
mansidão não valoriza nem intensifica a essência e o conteúdo dos temas e das
questões.
Em
outros tempos se punha um governo a correr com a força das palavras e dos
semblantes. Hoje os governos, de maneira geral, por terem perdido o recato, não
se movem nem se comovem com isso. São surdos e cegos, mas, não são mudos,
infelizmente. Quando querem subir ou se manter buscam apoios diversos,
inclusive dos que falam com razão e agem com dignidade. Depois de vitoriosos
tomam novas e polpudas doses de indiferença e antalgia.
Mas não se enganem, nem se compadeçam: - os governos não
entraram definitivamente para o rol dos sensitivamente incapazes – não – não
houve mutilação, perda de tecido ou ferimento grave. O que aconteceu foi
“apenas” um deslocamento (eu diria envelhecimento) do tônus perceptivo
governamental.
É a catarata oficial. É a surdez progressiva institucional.
O que mudou, na verdade, foi o grau da capacidade de apreensão e compreensão
dos governantes. Hoje não é qualquer murmúrio de quintal que demove a
paquidérmica máquina pública. É preciso muito mais.
Hoje impera a denominada política do relhaço. É a nova (e
funesta) era do látego, da gritaria, do quebra-quebra. Não é só a qualidade do
protesto que mudou – a forma, a quantidade, a contigencialidade e acima de
tudo, o tom.
Aí estão as manifestações que abundam em nossas vias e
povoam os noticiários. Sem terras ali, sem tetos aqui, sem emprego, sem saúde,
sem segurança, sem veracidade, sem educação, sem comida, sem dignidade.
Nesse tom – quase sempre nos limites da barbárie – é
possível perceber a comoção governamental e seu consequente requebrar de ossos.
E move-se célere, solícito e visivelmente temeroso. Mas afinal, de que ou de
quem tem medo o governo que, salvo melhor juízo, detém o monopólio da força?
Tem medo da rejeição ideológica, da solidão administrativa, do esvaziamento
assistencialista, do despropósito clientelista – tem medo de perder o voto, o
poder, a vantagem. E por isso só tem olhos e ouvidos para escândalos e
ruidosidades. Muitos setores de nossa sociedade há muito já se aperceberam
disso – os sem terra, por exemplo, conseguem muito mais portando bandeiras
invés de enxadas. As bandeiras geram ambiente de disputa. As enxadas amanham a
terra e a alma, produzindo riqueza e calma. Quem quer isso? Os homens de bem
querem – os governos populistas não.
Por essas e por outras, é que populações ordeiras e pacíficas
como a nossa estão perdendo terreno e amargando um balaio de frustrações. Agora
mesmo, educadamente, levanta-se contra o aumento da tarifa nas contas de água.
Fala, pondera, solicita, reivindica, faz abaixo assinados. Conseguirá ser vista
e ouvida??
Ou terá que reger-se em outro tom – pelo diapasão da
indisciplina?
Nossos
representantes e autoridades tem a palavra.
Mas que isso – tem a oportunidade da atitude! Que seja!