quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Eleitores


“Viver é testemunhar” – disse meu Compadre, em momento de profunda inspiração, apreciando o desfile das misses na TV. De certa forma, concordo com ele. Mas minha historia aconteceu bem longe do vídeo e meu testemunho, garanto, é mais isento que o dele.
         Foi numa quebrada de rua que sintonizei o diálogo de um  par de eleitores legitimamente estatísticos. No mínimo quarenta anos separavam os gajos.
-         Gostei de ver – essa questão do Brasil definir seu Sistema de Governo, já é uma “lança em África”.
-         Qual é, cara? – essa transa de sistema é careta, pacas. A África é do Tarzan e Tarzan está com a Jane e não abre.
-         Não brinca, moleque. O assunto é sério. É por aí que virá o colossal progresso de nossa Pátria.
-         Sem essa. Já descurti esse lance de pátria. Barato é o mundo, o universo, o todo. Sacou?
-         Mas que linguagem estúrdia, meu filho... o Brasil é a terra do futuro. Um dia vai ser a maior potência.
-         Potência é a mina que vende sabonetes na TV...
-         Mas que insolência. É preciso que se bote um cobro nisso. A juventude está, definitivamente, perdida. O Governo tem que tomar providências.
-         Tem nada – o “gova” também se liga numas... Podes crer.
-         Não acredito. Vou escrever aos meus deputados.
-         Qual é? Esses pintas só sabem transar grana e papo furado.
-         Não mesmo. São homens de bem, preocupados com o nosso destino. A propósito, qual é o teu Partido, meu filho?
-         Sem essa – o meu lado é o do amor, da paz e do vento que transa o depois...
-         Eu não te entendo. Tua dialética é muito confusa.
-         Ih! Sujou. Ninguém tá afim de dia. Bota noite aí e se rola o lero. Numa boa.
-         Então queres que eu diga “noitilética”?. Isso é um grande absurdo. Não tem sentido.
-         O sentido tá na pele dos que se curtem. Numa boa, podes crer.
-         Tua alienação me enfadonha, meu jovem.
-         Tu tá muito pra o antigo, cara. Teu papo mixa sem ninguém botar o pé. Qual é?
-         Sou um cidadão honesto. Um contribuinte. Tenho meus direitos e não vou permitir que um beldruegas, como você, venha subverter a ordem e os bons costumes de Instituições construídas com sangue, suor e lagrimas.
-         Ih! O coroa pirou de vez. Relaxa, brother. Curte um sarro. Teu baseado apagou.
-         Tua linguagem me decepciona. Não tens cultura, não tens lustro, não tens lógica. O mundo está, irremediavelmente, perdido.
-         Não esquenta, pessoa. Desliga, o mundo que se dane.
-         Não me conformo...
-         Solta e curte. O mundo vai te entender...
-         Não entende, bulhufas. Me sinto sozinho nesta trincheira.
-         Make love, not a guerra. Aché pra você.
-         Que mal pergunte: Pretendes votar na próxima eleição?
-         To chegadão nesse barato, coroa. To encarando essa, numa boa.
-         Pelo que pude entender, votar é tua firme intenção?
-         É isso aí...
-         Em quem pretendes votar? -  se não é muita intromissão.
-         Meu sim vai pro Pinta ligadão na natura, na sinceridade, no som e nesse barato todo que anda rolando nas praças e no cascalho, entende?
-         Acho que entendo. Também votaria em um cidadão desse jaez. Só discordo do som. É muito alto...
-         E o teu som é muito fraco. Não dá pra curtir. Tá sacando?
-         É. Com pouco de esforço, suponho, que um dia possamos harmonizar pianola com guitarra elétrica.
-         É isso aí. Vamos nessa...
Apertaram-se as mãos e fizeram um pacto de surdez voluntária. De comum acordo decidiram não dar ouvidos a essas bobagens que andam dizendo por aí. Prometeram votar no mesmo candidato: - um cidadão honesto, um pinta ligadão, uma pessoa de princípios um cara que curte a “natura”... Paz e amor, podes crer. Entende??...

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

A Equação


Aquele assalto, semana passada, bem ali nas beiradas da praça central, foi duro golpe para a mansidão interiorana de Alencar. De repente acenderam-se as luzes urgentes do medo e da desconfiança.
            Deixar a porta destrancada? – nem pensar. O perigo anda solto, tem nome, endereço e CPF, podem crer.
            Pois, submerso nesse mar de contratempos foi que o criativo Alencar interpôs uma equação de difícil solução. Do fundo de sua imaginativa cachola trouxe a seguinte questão: - Batem à porta, vou atender, abro e topo com um sujeito bem fornido empunhando arma de fogo que imperativamente diz: “Abra o cofre!”
            Em risco, eu e minha família, não me resta outra alternativa senão abrir o cofre e entregar, de mão beijada tudo o que ali estiver, fruto de grande e demorado esforço.
Mas, cadê o cofre?
Pois é – esse é o problema.
De qualquer forma o drama está em curso: Não tenho cofre e portanto, com justa razão, o assaltante frustrado não poupará minha vida nem a dos meus. Com uma casa dessas, com garagem, sacada, luz por todo lado e não tem cofre? Morrerei por não tê-lo.
Se tivesse, apenas perderia. Cá entre nós, para alguns perder dinheiro é o mesmo que morrer! Cá entre nós...
Retomando à questão é oportuno que se diga que Alencar transita ainda apenas no terreno das hipóteses. Nada sério felizmente aconteceu, até o momento, a ele e sua família. Mas considerando seu agudo espírito precavido é indesprezível sua proposição questionativa: Se não tenho cofre, morro. Se tenho, perco. Como equilibrar essas duas porções vitais de maneira satisfatória para gáudio geral da platéia?
Como? Ora, muito simples. É só armar dois cofres (daqueles de novela, escondidos atrás de quadros mirabolantes), um para o ladrão outro para o patrão... No primeiro o suficiente, no segundo o importante.
Enganar ladrão não é fácil – mas o Alencar sabe!
Veremos...