quarta-feira, 27 de março de 2013

CURANDO GRIPES...




         O assunto: - “remédio infalível para a cura da gripe” – é dos que freqüenta, com destaque, a galeria das controvérsias e intermináveis debates. Política, economia, religião, futebol, preferência sexual e gripe são temas que fazem o homem falar, não o deixam calar e sempre o fazem discordar.
         Cada pessoa tem seu próprio entendimento a respeito da questão. As vezes o tal entendimento é altamente contagioso e se dissemina como uma peste... No caso da gripe, por exemplo, houve um tempo em que a recomendação, sem retoques, era o consumo generoso de alho, cebola e limão. Uma cachacinha para espantar a preguiça... Funciona??... As opiniões se dividem: - alguns saram e outros transformam-se em temíveis e furiosos dragões. Os próprios laboratórios farmacêuticos já não sabem mais o que dizer. Periodicamente estampam novidades na mídia (sempre caras) para cortar o mal pela raiz. E cortam mesmo, mas seguidamente levam junto o doente. Conheci um sujeito que ficou tão curado de uma gripe que hoje anda entediado pelos cantos, pedindo um espirrozinho, com saudades daquela tosse amiga e frustrado por não mais usar sua rara coleção de lenços. Continua freguês assíduo das farmácias, mas agora em busca de terapias para essa tristeza. Lá está ele, sem coriza, sem ardência nos olhos, sem qualquer esperança de febrícolas, sem dor de cabeça, sem chiado no peito e sem espirro. Parece uma estátua de granito, cheia de pombos e grilos, mas sem gripe. Alguém sugeriu que o pobre buscasse sua turma para se alegrar um pouco. Que procurasse juntar-se ao imenso e festivo contingente dos “sem”...
         Invasões, hinos, bandeiras e enfadonhas audiências oficiais sempre reanimam o ego e podem até, por um desses prodígios da natureza, resgatar aquele resfriado camarada, de saudosa memória.
         Um médico experiente me disse que gripe sem remédios se cura em 15 dias; com remédio, em 14.
         O leiteiro disse que, bom mesmo, é chá de botão. Como?? Isso mesmo: - uma xícara de chá antes e depois de dois fartos copos de leite. Repetir a dose durante 28 dias, olhando para o poente ao empinar a infusão nos primeiros sete dias. Depois, para o nascente, nos outros sete, e assim por diante.
         E se a gripe curar antes dos 28 dias?? Continue o tratamento: - para evitar recaídas e aprender os pontos cardeais.
         E se um distraído engolir um botão??
         Bem, aí o problema maior não será mais a gripe...
         Cá com meus botões acho que essa não é a saída.
         Meu vizinho da frente está desenvolvendo uma teoria interessante. Diz que para a gripe não existem meias medidas: - a “infame” tem que ser enfrentada com arma de grosso calibre. Propõe que se “pasteurize” a diaba. Sugere banhos frios intercalados com chuveiradas rigorosamente quentes. Chás em ebulição e mastigação de gelo, in natura. Ambientes cálidos na intermitência de correntes de ar fresco. E cura?? Ainda não se sabe, pois a heróica  ciência sempre tem seu tempo experimental para arregimentar suas linhas e marchar na direção da glória e da verdade. Nessa batalha, geralmente, se perdem muitos soldados, mas a empreitada terá valido à pena para a salvação da humanidade. Terá?...
         A posteridade recolherá o ensinamento: - adotando-o ou evitando-o, à qualquer preço. A idéia é original – resta saber se existem voluntários (corajosos) dispostos a enfrentar a divertida terapêutica (?). Dizem as más línguas que o cunhado do dito cujo cientista, primeira (e única) cobaia do experimento, não sabe mais o que é gripe mas, em compensação, também não sabe mais quem é, onde está, e nem por quê...(?)
         Tosse pra cá – espirro pra lá, como já dizia meu compadre: - o melhor remédio para a gripe é um bom repouso a dois dedos de carinho. E convenhamos, não existe melhor motivo para um repouso, com afeto, que uma boa gripezinha (?). Que perdoem os alhos e bugalhos, mas essa gripe é fundamental...


quinta-feira, 14 de março de 2013

O VENDEDOR




     Depois de muito caminhar em busca de emprego, Davi achou trabalho. Era uma atividade avulsa, sem vínculo, sem horário, sem mesa, sem cartão e sem carteira.
     Trabalharia por comissão na venda de títulos de participação em um mega-loteamento. Coisa aparentemente complicada mas, na verdade, muito simples de entender e fazer. Tinha que andar por aí, bater de porta em porta, ser simpático, gentil, usar bons argumentos, ter tino, tato, intuição, sedução e tudo o mais que se segue para fechar um bom contrato. Os supostos interessados nesse “negócio de ocasião”, tem sempre a rara propriedade de sumirem quando mais se precisa deles...
     Na primeira semana, Davi mais conseguiu gastar a sola do sapato do que transacionar os tais títulos. Alguns disseram que iriam pensar e que voltasse semana que vem; outros responderam com um fulminante não; a maioria, porém, disse não ter dinheiro para bancar a generosa oferta. Era desanimador! Com cabeça recostada e os pés de molho, Davi tentava recolocar as idéias em ordem. Se ao menos descobrisse um ricaço, desses para quem, coisa pouca é bobagem, poderia de uma tacada só recuperar o tempo perdido, vendendo todo o lote de ações. Pesquisou, pesquisou até que encontrou sua terra prometida.
Tratava-se do fulgurante nababo Dr. Gusmão Dendém. Homem respeitadíssimo, ocupado, compromissado, solicitado, que chafurdava no dinheiro vivo. Descobriu também que esse reizinho das finanças, saído do nada, tinha uma bela propriedade justamente ao lado do loteamento em questão. Era ouro sobre azul... Levou duas semanas para marcar uma entrevista com o tal Dr. Gusmão. Teria levado mais se não lhe ocorresse a feliz idéia de encher de flores e bombons a bonita mesa da quadrada secretária.
     Vestiu o melhor terno (único, diga-se), a melhor gravata, borrifou-se com o perfume mais caro, calçou os de morrer (bem lustrados) e foi para o encontro. Quando, enfim, entrou na sala do apoderado, quase desfaleceu de tanto luxo. O tapete, a escrivaninha, as cortinas, os quadros na parede, os troféus na prateleira, o lustre, as poltronas – tudo era de rico. Depois dos cumprimentos e das gentilezas, sentou-se, abriu a pasta e começou sua ladainha:
-         “Pois, Dr. estou aqui para lhe oferecer um excelente negócio”.
-         “Que bom – estamos aí para isso”- disse, educadamente, o esperto Dr. Dendém.
-         “O que trago para o senhor é”... – nisso toca o telefone e Dr. Gusmão pede licença para atender. Davi assentiu com a cabeça. Era um interurbano de Nova York. Gastou-se nisso mais ou menos dez minutos. Terminada a ligação o próprio Dr. deu sinal para a retomada do assunto:
-         “Muito bem, onde estávamos?”
-         “Bem, eu dizia que nada mais sólido, hoje em dia, que...” – e novamente tilinta o incômodo telefone. E lá se foram mais quinze minutos de lero-lero com um compadre que andava na Patagônia.
-         “Desculpe, mas telefone é telefone, a gente não pode deixar de atender, pode ser urgente. Mas, continue por favor”.
-         “Como dizia, a aplicação em terras é lucra...” – e mais uma vez toca o famigerado telefone. Dr. Gusmão atende:
-         “Sim? – oi, alô Bonifácio – o que é feito da tua vida?...”
Davi levanta-se, timidamente, e diz, de forma cordial, quase em sussurro:
-         “Eu volto outra hora...”
-         “Mil perdões” – diz Dendém, simpaticamente colocando uma das mãos sobre o fone emissor. “Volte amanhã”.
-         “Perfeitamente. Eu volto. Um abraço” – disse e acenou, baixinho, o grande Davi já na porta.
Passou rápido pela secretária-mesa e se jogou de novo no burburinho da rua. Buscou o primeiro orelhão, carregou-o de fichas e discou para o Dr. Gusmão. As duas primeiras deram sinal de ocupado, a terceira deu linha.
-         “Alô – quero falar com o Dr. Gusmão, é urgente”.
A secretária passou logo a ligação:
-         “Alô, quem fala?” – era o próprio Dr. Gusmão.
-         “Aqui sou eu”.
-         “Eu quem?”
-         “O Davi”.
-         “Que Davi?”
-         “O vendedor que há pouco estava na sua sala tentando vender um título de participação de um loteamento muito bem localizado, por preço módico e patati e patatá... e um outro qualquer que estiver aí que espere... o senhor não pode perder essa oportunidade, facilitamos o pagamento, damos desconto. Tá fechado?”
-         “Fechado!”