quinta-feira, 14 de março de 2013

O VENDEDOR




     Depois de muito caminhar em busca de emprego, Davi achou trabalho. Era uma atividade avulsa, sem vínculo, sem horário, sem mesa, sem cartão e sem carteira.
     Trabalharia por comissão na venda de títulos de participação em um mega-loteamento. Coisa aparentemente complicada mas, na verdade, muito simples de entender e fazer. Tinha que andar por aí, bater de porta em porta, ser simpático, gentil, usar bons argumentos, ter tino, tato, intuição, sedução e tudo o mais que se segue para fechar um bom contrato. Os supostos interessados nesse “negócio de ocasião”, tem sempre a rara propriedade de sumirem quando mais se precisa deles...
     Na primeira semana, Davi mais conseguiu gastar a sola do sapato do que transacionar os tais títulos. Alguns disseram que iriam pensar e que voltasse semana que vem; outros responderam com um fulminante não; a maioria, porém, disse não ter dinheiro para bancar a generosa oferta. Era desanimador! Com cabeça recostada e os pés de molho, Davi tentava recolocar as idéias em ordem. Se ao menos descobrisse um ricaço, desses para quem, coisa pouca é bobagem, poderia de uma tacada só recuperar o tempo perdido, vendendo todo o lote de ações. Pesquisou, pesquisou até que encontrou sua terra prometida.
Tratava-se do fulgurante nababo Dr. Gusmão Dendém. Homem respeitadíssimo, ocupado, compromissado, solicitado, que chafurdava no dinheiro vivo. Descobriu também que esse reizinho das finanças, saído do nada, tinha uma bela propriedade justamente ao lado do loteamento em questão. Era ouro sobre azul... Levou duas semanas para marcar uma entrevista com o tal Dr. Gusmão. Teria levado mais se não lhe ocorresse a feliz idéia de encher de flores e bombons a bonita mesa da quadrada secretária.
     Vestiu o melhor terno (único, diga-se), a melhor gravata, borrifou-se com o perfume mais caro, calçou os de morrer (bem lustrados) e foi para o encontro. Quando, enfim, entrou na sala do apoderado, quase desfaleceu de tanto luxo. O tapete, a escrivaninha, as cortinas, os quadros na parede, os troféus na prateleira, o lustre, as poltronas – tudo era de rico. Depois dos cumprimentos e das gentilezas, sentou-se, abriu a pasta e começou sua ladainha:
-         “Pois, Dr. estou aqui para lhe oferecer um excelente negócio”.
-         “Que bom – estamos aí para isso”- disse, educadamente, o esperto Dr. Dendém.
-         “O que trago para o senhor é”... – nisso toca o telefone e Dr. Gusmão pede licença para atender. Davi assentiu com a cabeça. Era um interurbano de Nova York. Gastou-se nisso mais ou menos dez minutos. Terminada a ligação o próprio Dr. deu sinal para a retomada do assunto:
-         “Muito bem, onde estávamos?”
-         “Bem, eu dizia que nada mais sólido, hoje em dia, que...” – e novamente tilinta o incômodo telefone. E lá se foram mais quinze minutos de lero-lero com um compadre que andava na Patagônia.
-         “Desculpe, mas telefone é telefone, a gente não pode deixar de atender, pode ser urgente. Mas, continue por favor”.
-         “Como dizia, a aplicação em terras é lucra...” – e mais uma vez toca o famigerado telefone. Dr. Gusmão atende:
-         “Sim? – oi, alô Bonifácio – o que é feito da tua vida?...”
Davi levanta-se, timidamente, e diz, de forma cordial, quase em sussurro:
-         “Eu volto outra hora...”
-         “Mil perdões” – diz Dendém, simpaticamente colocando uma das mãos sobre o fone emissor. “Volte amanhã”.
-         “Perfeitamente. Eu volto. Um abraço” – disse e acenou, baixinho, o grande Davi já na porta.
Passou rápido pela secretária-mesa e se jogou de novo no burburinho da rua. Buscou o primeiro orelhão, carregou-o de fichas e discou para o Dr. Gusmão. As duas primeiras deram sinal de ocupado, a terceira deu linha.
-         “Alô – quero falar com o Dr. Gusmão, é urgente”.
A secretária passou logo a ligação:
-         “Alô, quem fala?” – era o próprio Dr. Gusmão.
-         “Aqui sou eu”.
-         “Eu quem?”
-         “O Davi”.
-         “Que Davi?”
-         “O vendedor que há pouco estava na sua sala tentando vender um título de participação de um loteamento muito bem localizado, por preço módico e patati e patatá... e um outro qualquer que estiver aí que espere... o senhor não pode perder essa oportunidade, facilitamos o pagamento, damos desconto. Tá fechado?”
-         “Fechado!”

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