São tantas as conseqüências da atual crise econômica, que seria um desperdício enumera-las, pois já a sabemos quase todas de cor... Mas, não poderia deixar de referir a originalidade de uma – rara em seu conteúdo e quase dramática em sua forma.
Um especialista em crises, passeando nas proximidades da ficção, relata um caso absolutamente insólito e rigorosamente preocupante. Conta-me que, numa dessas esquinas da vagabundagem, ouviu, de passada, um diálogo surpreendente de dois conhecidos e reconhecidos abigeatários profissionais.
- A coisa está difícil, compadre.
- Difícil é apelido...
- Que crise bem braba!...
- Brabíssima!
- Já não sobra mais nada...
- As vezes até falta...
- Imagine, que da última vez tive de tirar do próprio bolso para completar o serviço (!??)...
- Não me diga!
- Sim – paguei a gasolina, o conserto do carro (que estradas ruins!), a comissão dos tropeiros, o frete do caminhão, a taxa de embarque, a licença do transporte, a insalubridade, a periculosidade, a gorjeta dos olheiros, o pastoreio, o imposto fiscal e por aí vai...
- Ué, tu paga tudo isso???
- Claro. Comigo é tudo na legalidade. É mais seguro. Não gosto de me incomodar...
- Bueno, aí fica complicado...
- E mais – agora, “o cara aquele” quer prazo...
- Mas paga um jurinho, pelo menos???
- Que nada – quer tudo na moleza.
- Essa gente tá ficando muito abusada...
- Abusada e atrevida. Na semana passada, disse que ficava só com a carne de primeira. Era pegar ou largar...
- E tu pegaste???
- Que remédio...???
- Isso é uma barbaridade!!!...
- É, compadre, ninguém mais respeita o trabalhador...
- É verdade.
- É sim. Acho que vou trocar de ramo.
- O que pretendes???
- Não sei ainda. Acho que vou pegar uma dessas bocas que andam por aí...
- Não me diz que vais te meter na política???
- Que nada – essa também não está dando nada, atualmente.
- Então, que boca é essa???
- Vou fiscalizar os roubos.
- Mas, como???...
- Isso mesmo – vou oferecer meus préstimos para cuidar dos interesses dessa turma que vive se incomodando com o abigeato.
- Que turma?? – a dos proprietários ou a dos “trabalhadores”??
- As duas. Ora uma, ora outra. A que pagar melhor eu fico.
- E se não der certo??
- Vai dar...
- Mas, se não der??
- Aí, então, eu entro numa dessas filas de sem-terra e estou feito na vida.
- Mas isso dá trabalho...
- E tu queres casa, comida, roupa lavada e fama sem um pouco de incômodo???...
- Ah, pois é...
- Pois é.
Verossímel ou não, o relato comove e preocupa. Avaliar a crise brasileira pelas conseqüências práticas é tarefa que vai bem além das teorias economistas e das teses salvadoras. Parece que estamos de fato, num buraco sem fundo. É grave o problema quando nem mesmo o roubo é suficiente para a sobrevivência. Se o furto não dá, o que dará???...
Êta Brasil de guerra que sempre consegue reescrever a história com a pena do cocar do chefe...
Que chefe??
O pajé das mágicas e das mirabolâncias..., ora pois!...
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