O Velho Moraes, homem antigo, fiel seguidor dos
sábios conselhos da vida e do almanaque, dizia que “banho frio no inverno” era
muito bom para a saúde.
Ele
próprio esbanjava essa prática todos os dias, bem cedinho, em uma “tina” ali no
pátio. Nas manhãs de geada muito grande, pegava um cabo de vassoura para
quebrar a grossa lâmina de gelo que se formava na parte de cima do barril.
Depois mergulhava, rapidamente, com prazer, tirando toda a vantagem do choque
térmico para continuar olhando a vida de frente e a gripe pelas costas. Dessa
forma, dizia, mantinha os médicos e os remédios sempre afastados de seu leito.
Doutrinava
os filhos para que seguissem exemplo tão saudável. A gurizada ouvia o conselho,
com respeito, mas logo mudava de assunto para não correr o risco de ter que
enfrentar a terrível façanha. Um que outro prometia, veladamente, tentar a
proeza, um dia. Um dia...!
O
tempo ia passando e o Velho Moraes não usufruía a satisfação de ver, pelo
menos, um dos filhos experimentar o gélido gosto da saúde verdadeira. Naquela
época, a educação era severa e rígida mas isso não era tudo para obrigar os
filhos a se entregarem à maravilhosa loucura de um “banho frio”, do lado de
fora, nas memoráveis madrugadas de junho e julho. Obrigava, isto sim, os filhos
a estudarem, trabalharem e serem honestos.
Proibia-os
de jogar, fumar, beber e saírem à noite em dias de semana.
Certa
feita, João, o mais velho, resolveu dar uma escapada para encontrar-se com a
secreta e misteriosa namorada. Na calada da noite pulou a janela.
Era
junho e as estrelas pipocavam no manto escuro e frio do firmamento, repleto de
aventuras. O coração de João batia forte pela emoção do perigo e pela ânsia de
jogar-se nos braços da amada.
Tão
suave era a noite e tão quentes os carinhos do encontro que o fujão esqueceu-se
das horas. Já quase pisando a barra do dia, João tratou de voltar ao ninho,
sigilosamente, sem deixar vestígios do pecado.
No
exato momento em que escalava o muro, percebeu que a janela do quarto do severo
pai abria-se, ritualmente. Em face do enorme contratempo, pensou rápido,
terminou de pular o muro e jogou-se de corpo e alma na água gelada do tonel. O
Velho Moraes olhou aquilo e surpreso, incrédulo mas rebentando de satisfação
para comentar, com aprovação:
-“Ah,
muito bem, João – pelo menos um filho meu acaba de entender as benesses do
banho frio... muito bem, João! Coragem...!”
João
saiu dali tiritando e foi descongelar-se na beira do fogão. Enquanto tentava
recuperar o calor, mastigava um biscoito de polvilho, pensando, quietamente,
nas aventuras da noitada. Quantas vezes mais teria de jogar-se na tina fria
para pagar por seus desejos de amor e poesia?...?
Olhando
a brasa do espinilho, pensava: - não sabia se banho frio no inverno era bom
para a saúde (?) – sabia, no entanto, que amar perigosamente era motivo
suficiente para viver ou morrer – eternamente...
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