quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Bom para a saúde...


       O Velho Moraes, homem antigo, fiel seguidor dos sábios conselhos da vida e do almanaque, dizia que “banho frio no inverno” era muito bom para a saúde.
         Ele próprio esbanjava essa prática todos os dias, bem cedinho, em uma “tina” ali no pátio. Nas manhãs de geada muito grande, pegava um cabo de vassoura para quebrar a grossa lâmina de gelo que se formava na parte de cima do barril. Depois mergulhava, rapidamente, com prazer, tirando toda a vantagem do choque térmico para continuar olhando a vida de frente e a gripe pelas costas. Dessa forma, dizia, mantinha os médicos e os remédios sempre afastados de seu leito.
         Doutrinava os filhos para que seguissem exemplo tão saudável. A gurizada ouvia o conselho, com respeito, mas logo mudava de assunto para não correr o risco de ter que enfrentar a terrível façanha. Um que outro prometia, veladamente, tentar a proeza, um dia. Um dia...!
         O tempo ia passando e o Velho Moraes não usufruía a satisfação de ver, pelo menos, um dos filhos experimentar o gélido gosto da saúde verdadeira. Naquela época, a educação era severa e rígida mas isso não era tudo para obrigar os filhos a se entregarem à maravilhosa loucura de um “banho frio”, do lado de fora, nas memoráveis madrugadas de junho e julho. Obrigava, isto sim, os filhos a estudarem, trabalharem e serem honestos.
         Proibia-os de jogar, fumar, beber e saírem à noite em dias de semana.
         Certa feita, João, o mais velho, resolveu dar uma escapada para encontrar-se com a secreta e misteriosa namorada. Na calada da noite pulou a janela.
         Era junho e as estrelas pipocavam no manto escuro e frio do firmamento, repleto de aventuras. O coração de João batia forte pela emoção do perigo e pela ânsia de jogar-se nos braços da amada.
         Tão suave era a noite e tão quentes os carinhos do encontro que o fujão esqueceu-se das horas. Já quase pisando a barra do dia, João tratou de voltar ao ninho, sigilosamente, sem deixar vestígios do pecado.
         No exato momento em que escalava o muro, percebeu que a janela do quarto do severo pai abria-se, ritualmente. Em face do enorme contratempo, pensou rápido, terminou de pular o muro e jogou-se de corpo e alma na água gelada do tonel. O Velho Moraes olhou aquilo e surpreso, incrédulo mas rebentando de satisfação para comentar, com aprovação:
         -“Ah, muito bem, João – pelo menos um filho meu acaba de entender as benesses do banho frio... muito bem, João! Coragem...!”
         João saiu dali tiritando e foi descongelar-se na beira do fogão. Enquanto tentava recuperar o calor, mastigava um biscoito de polvilho, pensando, quietamente, nas aventuras da noitada. Quantas vezes mais teria de jogar-se na tina fria para pagar por seus desejos de amor e poesia?...?
         Olhando a brasa do espinilho, pensava: - não sabia se banho frio no inverno era bom para a saúde (?) – sabia, no entanto, que amar perigosamente era motivo suficiente para viver ou morrer – eternamente...

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