quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Chove!!...



        Incomodado por formigas, empregados, impostos e visitas inoportunas o Velho Moraes, um dia, resolveu vender a chácara. Chamou o corretor de sua confiança e autorizou o negócio. Coisa de ímpeto – impulsiva – momento de raiva e desgosto. Dois dias depois estava profundamente arrependido da decisão.
        Mas, palavra é palavra, e naquele tempo era usual honrar-se a palavra empenhada, deixou correr a sorte por conta das tratativas  do talentoso intermediário.
        Lá por uma tarde de domingo aparece um interessado comprador para revisar a mercadoria. O Velho Moraes, contrariadíssimo, recebeu o pretenso e começou a mostrar as “comodidades” da chácara.
- “Linda mangueira” – comentou, com entusiasmo, o pretendente.
- “Precisa de reparos” – disse, secamente, o proprietário.
- “Mas não embarra (?)...”
- “Quando chove é um chiqueiro”.
- “E os aramados, seu Moraes?”
- “Ah, estão quase todos no chão”.
- “Bem, isso se conserta...”
        O empregado caseiro que assistia a conversa-caminhada olhou nos olhos do patrão, meio surpreso, sem entender o que estava acontecendo, pois os arames tinham sofrido reparos, recentemente...
- “E o galpão. Seu Moraes?”
- “No galpão chove – mais no centro e menos nas pontas...”
- “Mas não chove”. Comentou o caseiro, timidamente.
- “Chove ! !” – disse o Velho, de forma categórica.
- “Tem formiga aqui?”
- “Não só aqui – estão em toda a parte...”
- “E a água?”
- “É escassa, turva e saloba”.
- “Mas é bem doce” – disse, com voz sumida, o empregado.
- “Saloba ! !” – contraponteou o Velho Moraes, transpirando impaciência.
A essas alturas o comprador já estava entre desanimado e desconfiado.
- “E a casa?”
- “A madeira tem que ser toda trocada. Chove no quarto, na sala e na varanda”.
- “E na cozinha também chove?” – indagou, sutil, o esperto interessado esperando surpreender uma contradição.
- “Na cozinha não chove” – falou alto o caseiro, já, decididamente, amotinado.
- “É, na cozinha não chove” – concordou o Velho Moraes aparentemente resignado. – “Na cozinha a água brota do chão como se fosse um manancial...”
- “E os vizinhos?”
- “São bons quando estão dormindo”.
- “E os impostos?”
- “São caros. Estou vendendo a chácara para poder pagá-los”.
Esse foi o tiro de misericórdia na alegria do comprador. Despediu-se e tratou de sair rápido de cena.
        O Velho Moraes satisfeito de não ter faltado com a palavra e não ter cometido a besteira de vender a chácara, voltou para seus afazeres cheio de vontade e disposição. Enquanto ordenava a capina das laranjeiras ouviu uma ligeira queixa de seu caseiro.
- “Seu Moraes, a casa está precisando de telhado novo”.
- “Por que?”
- “Porque chove como na rua”.
- “Mas na casa não chove”.
- “Chove! – os outros compradores tem que saber disso...”
- “Então chove. Mês que vem vou dar um reforço no teu soldo...”
- “Chove e é mal assombrada, seu Moraes...


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