E porque Ela estava irritada com sua novela preferida fora do
ar, Ele teve que agüentar todos aqueles desaforos, temperados a alho e óleo. E
não ficou por aí: - houve um ruidoso festival de prantos, lamúrias,
espernegadas, burundangas, enfim, toda espécie do melhor histerismo e muito
quebra-quebra. Era o limite! Sua paciência, em tempos de saudosa memória, fora
um verdadeiro mar de duzentas milhas – um espaço faraônico de tolerância. Agora
tinha enchido os tubos. Tudo cansa e tudo fenece... Dobrou o jornal,
levantou-se, com aquela calma própria dos estranguladores, convictos, rumou,
célere, para o armário, desenroscou, com medida violência – antecipando o que
faria com o pescoço dela – a tampa do ordinário conhaque familiar. Sorveu dois
tragos que lhe caíram lentos e grossos como os minutos que antecedem as
decisões fatais...
Avançou! Enquanto caminhava,
resoluto, na direção do destino, não reparou nos olhos
contemplativamente inócuos de um Buda reescalpelado pela fúria de uma filosofia
impune. Para o bem as humanidade, era preciso que notasse a compulsiva
insistência do olhar do Buda, pela inefável composição das paralelas sociais.
O “Eu e o Nós”, um dia, em algum lugar, vão encontrar o ponto
de tangencia para todo o sempre e nunca mais. Mas ele não viu o Buda e isso,
agora, não tem a menor importância. Seu pensamento e todos os sentidos estavam
voltados para o que estava prestes a acontecer. Daí a segundos viveria, (ao
vivo e a cores) aquele caso que acabara de ler na pagina policial de seu
querido jornal. E aquela noticia não passaria de uma simples nota de mera
ficção, depois que se consumasse tudo o que estava pronto para se consumar.
Antegozou o duelo da imprensa para obter os melhores ângulos e os mais
discutidos detalhes. Foi tomado de uma irreprimível, não obstante secreta,
satisfação de criar e perpetrar detalhes. Quebrou o elefante de porcelana
barata, presente da vizinha, aquela chata que não parava de vizinhar.., ah, era
a hora de acertar todas as contas – antigas, e recentes; reais ou irreais. Era
a hora de verdade. Verdade que abortaria, de maneira até certo ponto legal, a
liberdade tão desejada. Guardadas as proporções, o que estava por acontecer,
era mais importante que a queda da Bastilha. E lá ia nosso Mirabeau de porta de
mercearia falida, arrastando chinelos de liquidação, com uma barrica (centro
nervoso de suas decisões) engolindo e triturando um surrado pijama, outrora
listrado, disposto a resolver, de uma vez por todas, a proposição
Shakespeareana: - “ser ou não ser”. Chegou, parou, mirou, ia agir – e ninguém
dava por isso - quando, de repente:
“plim,plim” – a televisão voltou ao éter e nosso amigo ao álcool.
Que remédio?!... adeus
vingança! Como seria possível resolver o drama familiar se a telinha exibia uma
tragédia bem maior, mais rica e com mais ponto no Ibope?? Como poderia ser
forte e decidido na frente daquele viscoso e desenvolto mocinho, repleto de
virtudes e um charme de parar o trânsito?? Como chamar a atenção da esposa –
sim, porque, pelas costas ele não mataria nem mosca, por uma questão de
princípios – no meio daquela tórrida cena horizontal de beijos, abraços,
queijos, melancias, etc?? Como executar o estrangulamento planejado (e
merecido) em face do exposto em 29 polegadas de magia e êxtase?? Resolveu
recolher-se a sua velha e carcomida insignificância. Buscou um lugar no sofá
furado, ao lado da mulher, e voou, com ela, através da novela para o mundo que
os olhos vêem e bolso não sente... A televisão, enfim, mais uma vez, salvou uma
vida e uniu dois corações. Pelo menos até os próximos comerciais...
Nenhum comentário:
Postar um comentário