Varrendo a sala, Frauzina achou um botão preto de
paletó. Não era bem um botão, nem bem preto era. Na verdade, era um pequeno
cone com três furinhos e uma diminuta haste no centro. O que era aquilo??
Frauzina, mulher sofrida,
com tantos ainda por criar, não muito vocacionada para indagações mais
profundas, pôs de lado o estranho objeto a fim de entrega-lo ao patrão. Não era
brilhante nem sonante. Não era pesado e sequer tinha alguma inscrição. Não
valia nada mas lixo não era. Era o que parecia. O que era, então?
Pelo sim, pelo não, o melhor
era entregar “a coisa” ao seu Getúlio, o patrão, homem severo, porém justo. De
repente poderia lhe valer uma gorjeta extra...!
Será que aquela coisinha não
era parte importante da geringonça complicada que o Dr. Getúlio vive lidando e
que tinha um nome até bem indecente? Melhor que não fosse, pois poderia pensar
que a estabanação de Frauzina é que tinha causado o desgarramento daquela peça
vital de seu intocável e amado computador...
Temerosa e cheia de dedos, Frauzina entregou ao
chefe, na hora do almoço, o tal primo enjeitado do botão de paletó.
Dr. Getúlio, cidadão de
muitos afazeres e diversas atribuições, examinou o pequeno cone com medida
curiosidade entre apressadas e compulsivas mastigadas:
-
Ah, ah, uh, uh, o que é isso, Frauzina?
-
Não sei, não senhor.
-
Como, não sabe?
-
Não sei, Dr. Getúlio.
-
Onde estava?
-
Ali no lado do sofá.
-
Que sofá?
-
O da sala, sim senhor.
-
Que sala?
-
A das visitas, sim senhor.
-
Eu lá tenho tempo para visitas, Frauzina?
-
Pois é, não, sim senhor.
-
Visitas... ora bolas...
-
Parece um botão, doutor...
-
Parece mas não é. Onde já se viu um botão desse jeito?...
-
Pois não, sim senhor.
-
Isso deve ser coisa de comunistas...
-
Como disse, doutor?
-
Não disse nada. Só pensei...
-
Sim senhor.
-
Ah, então também achas que é?
-
Senhor?...
-
Nada, nada, traz o feijão.
-
Hoje não tem – a panela estragou...
-
Estragou?
-
É sim, não quer cozinhar...
-
E panela tem querer, Frauzina?...
-
Pois é, a panela não presta mais...
-
Então já sei, esta porcaria é da tal panela...
-
Da panela não é, não senhor.
-
Ué, por quê?
-
Porque tá furada...só...
-
E eu mereço ter panela furada?...
-
Senhor?
-
Deixa prá lá.
Nisso chegou, efusivo, o sempre oportuno
secretario Etelvino, mais conhecido por Vino um serviçal de mão cheia.
-
O que é isso, Vino? – indagou Getúlio, segurando “a coisa” com decisão.
-
Isso é um retentor de motor de moto, está visto, doutor.
-
Que moto; Etelvino? Na sala, no lado do sofá?...
-
Então é um terminal do pino central da engrenagem principal de uma
moto-serra...
-
Tu tá ficando louco, Vino...?
-
Vendo melhor, parece ser a conexão terminal de um respirador
artificial...
-
Eu desisto!
-
Espere, espere, isso é a peça de engate do mecanismo de propulsão de
uma nave espacial, não tripulada.
-
Pode parar, Etelvino! Chega, deu para tua fértil imaginação...
-
Mas que parece, parece...
O que seria aquilo afinal?
Seria a conta de um rosário
futurista? Seria a trava mestra do cofre do FMI? Ou seria a chave de um míssil
intercontinental?
Há quem diga que aquilo era
apenas um pedacinho, descartável, de um inocente veideogame. Poderia ser o
componente de uma geladeira boa e barata ou até mesmo parte de um telefone de
um manso corretor da bolsa.
Não faltaria quem afirmasse
que aquilo pertencia aos Sem Terra. Seria grande o grupo dos que entendiam que
a coisa, fosse o que fosse, deveria ser privatizada, sem demora.
Idéias de um lado, sugestões
do outro, Getúlio resolveu pôr fim à questão. Pegou a coisa, examinou com
lente, apertou entre os dentes, sacudiu, bateu, esfregou na camisa, assoprou e
jogou pela janela. Em menos de trinta segundos ouviu estrondo infinitamente
crucial: Tinha dado inicio a terceira guerra mundial...
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