quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A Coisa


Varrendo a sala, Frauzina achou um botão preto de paletó. Não era bem um botão, nem bem preto era. Na verdade, era um pequeno cone com três furinhos e uma diminuta haste no centro. O que era aquilo??
Frauzina, mulher sofrida, com tantos ainda por criar, não muito vocacionada para indagações mais profundas, pôs de lado o estranho objeto a fim de entrega-lo ao patrão. Não era brilhante nem sonante. Não era pesado e sequer tinha alguma inscrição. Não valia nada mas lixo não era. Era o que parecia. O que era, então?
Pelo sim, pelo não, o melhor era entregar “a coisa” ao seu Getúlio, o patrão, homem severo, porém justo. De repente poderia lhe valer uma gorjeta extra...!
Será que aquela coisinha não era parte importante da geringonça complicada que o Dr. Getúlio vive lidando e que tinha um nome até bem indecente? Melhor que não fosse, pois poderia pensar que a estabanação de Frauzina é que tinha causado o desgarramento daquela peça vital de seu intocável e amado computador...
Temerosa e cheia de dedos, Frauzina entregou ao chefe, na hora do almoço, o tal primo enjeitado do botão de paletó.
Dr. Getúlio, cidadão de muitos afazeres e diversas atribuições, examinou o pequeno cone com medida curiosidade entre apressadas e compulsivas mastigadas:
-         Ah, ah, uh, uh, o que é isso, Frauzina?
-         Não sei, não senhor.
-         Como, não sabe?
-         Não sei, Dr. Getúlio.
-         Onde estava?
-         Ali no lado do sofá.
-         Que sofá?
-         O da sala, sim senhor.
-         Que sala?
-         A das visitas, sim senhor.
-         Eu lá tenho tempo para visitas, Frauzina?
-         Pois é, não, sim senhor.
-         Visitas... ora bolas...
-         Parece um botão, doutor...
-         Parece mas não é. Onde já se viu um botão desse jeito?...
-         Pois não, sim senhor.
-         Isso deve ser coisa de comunistas...
-         Como disse, doutor?
-         Não disse nada. Só pensei...
-         Sim senhor.
-         Ah, então também achas que é?
-         Senhor?...
-         Nada, nada, traz o feijão.
-         Hoje não tem – a panela estragou...
-         Estragou?
-         É sim, não quer cozinhar...
-         E panela tem querer, Frauzina?...
-         Pois é, a panela não presta mais...
-         Então já sei, esta porcaria é da tal panela...
-         Da panela não é, não senhor.
-         Ué, por quê?
-         Porque tá furada...só...
-         E eu mereço ter panela furada?...
-         Senhor?
-         Deixa prá lá.
Nisso chegou, efusivo, o sempre oportuno secretario Etelvino, mais conhecido por Vino um serviçal de mão cheia.
-         O que é isso, Vino? – indagou Getúlio, segurando “a coisa” com decisão.
-         Isso é um retentor de motor de moto, está visto, doutor.
-         Que moto; Etelvino? Na sala, no lado do sofá?...
-         Então é um terminal do pino central da engrenagem principal de uma moto-serra...
-         Tu tá ficando louco, Vino...?
-         Vendo melhor, parece ser a conexão terminal de um respirador artificial...
-         Eu desisto!
-         Espere, espere, isso é a peça de engate do mecanismo de propulsão de uma nave espacial, não tripulada.
-         Pode parar, Etelvino! Chega, deu para tua fértil imaginação...
-         Mas que parece, parece...
O que seria aquilo afinal?
Seria a conta de um rosário futurista? Seria a trava mestra do cofre do FMI? Ou seria a chave de um míssil intercontinental?
Há quem diga que aquilo era apenas um pedacinho, descartável, de um inocente veideogame. Poderia ser o componente de uma geladeira boa e barata ou até mesmo parte de um telefone de um manso corretor da bolsa.
Não faltaria quem afirmasse que aquilo pertencia aos Sem Terra. Seria grande o grupo dos que entendiam que a coisa, fosse o que fosse, deveria ser privatizada, sem demora.
Idéias de um lado, sugestões do outro, Getúlio resolveu pôr fim à questão. Pegou a coisa, examinou com lente, apertou entre os dentes, sacudiu, bateu, esfregou na camisa, assoprou e jogou pela janela. Em menos de trinta segundos ouviu estrondo infinitamente crucial: Tinha dado inicio a terceira guerra mundial...


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