quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013


DOR NO VINTE E QUATRO


Numa concorrida sala de espera médica, Juvêncio esperava a vez de consultar. Enquanto aguardava, grudou o olho num desses mapas do corpo humano onde aparecem os órgãos e as regiões, devidamente numeradas. O estômago era o seis, a laringe o 12, o pulmão direito estampava o número dezenove, o fígado o oito, o pâncreas o sete e assim por diante. Juvêncio estava encantado com aquela aula silenciosa de anatomia – tão simples e tão clara – para se entender e explicar as coisas que a gente sente no corpo e que, muitas vezes, não sabe dizer. Enquanto olhava, atentamente, pensava em sua sogra, coitada, que tanto tinha sofrido com problemas no 21...
Já o compadre Alípio, que não tinha mais o dezesseis nem o 32 estava gordo e corado fazendo planos para, um dia, se ver livre do 22.
Quando chegou a sua vez, Juvêncio entrou, firme e confiante no consultório, revelando, de cara, que seu problema maior era no 24. Na verdade, a dor rebatia no dezoito, escorria pelo dezessete mas ia se aninhar no 24.
-         É aí, doutor, sem mais e nem menos. Não tem erro, pode acreditar.
 O médico, bom também de psicologia, inseriu-se no contexto do diagnóstico numeral de Juvêncio.
-         E o 25, como está?
-         Está ótimo, doutor.
-         E o vinte e seis?
-         Ah, esse tá novinho em folha...
-         É aí mesmo doutor.
-         Pois, então, vou te dar este remédio que vai resolver.
Coincidentemente a droga vinha num vidro com 24 drágeas e deveria ser tomada de 24 em 24 horas.
Juvêncio foi para casa feliz e não mais se queixou.
Choveu, ventou, passou. Lá um dia, depois de lauta feijoada e caipirinha generosa, Juvêncio voltou a sentir dores intestinais. Mas não era bem no 24 – era mais para baixo. Fechou os olhos tentando lembrar o mapa do corpo humano e os números dos órgãos – memória era que não lhe faltava – e descobriu que seu mal, agora, era no 48.
-         Tens que voltar lá no doutor – sentenciou a mulher, do alto do seu crochê, olhando a novela das sete.
-         Agora só segunda e hoje é sábado. Não vou incomodar o homem que deve estar descansando...
-         É, mas daqui até lá, muita coisa pode acontecer – comentou a experiente sogra, enquanto liquidava uma fornada de bolinhos de milho.
-         Mas eu não vou incomodar o doutor – disse, determinado, Juvêncio, enfiado na bombacha de descansar.
-         E, sabe do que mais (?) – eu mesmo sei como resolver este assunto.
Me passa os comprimidos pra cá – pediu, imperativo.
-         Mas esse são para o 24. Vêncio – alertou a mulher, levantando os olhos da costura.
-         Não interessa. Me passa pra cá e traz um copo de leite.
Decidido, pegou duas drágeas e tocou-as garganta a dentro, com um gole gordo de leite fervido que ele próprio tirara na véspera.
-         Pronto – o que tem que ser vai ser...!
-         Credo, homem, tomaste o remédio do 24... – disse a cunhada, com voz falseada e crítica nos olhos.
-         Então tá tudo certo. Meu problema agora é no 48 e tomei duas do 24 – não tem erro...
E não tinha. Juvêncio melhorou, para pasmo geral de sua platéia doméstica e assombro especial da medicina...
E siga o baile...

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