DOR NO VINTE E
QUATRO
Numa concorrida sala de espera médica, Juvêncio esperava a vez de
consultar. Enquanto aguardava, grudou o olho num desses mapas do corpo humano
onde aparecem os órgãos e as regiões, devidamente numeradas. O estômago era o
seis, a laringe o 12, o pulmão direito estampava o número dezenove, o fígado o
oito, o pâncreas o sete e assim por diante. Juvêncio estava encantado com
aquela aula silenciosa de anatomia – tão simples e tão clara – para se entender
e explicar as coisas que a gente sente no corpo e que, muitas vezes, não sabe
dizer. Enquanto olhava, atentamente, pensava em sua sogra, coitada, que tanto
tinha sofrido com problemas no 21...
Já o compadre Alípio, que
não tinha mais o dezesseis nem o 32 estava gordo e corado fazendo planos para,
um dia, se ver livre do 22.
Quando chegou a sua vez,
Juvêncio entrou, firme e confiante no consultório, revelando, de cara, que seu
problema maior era no 24. Na verdade, a dor rebatia no dezoito, escorria pelo
dezessete mas ia se aninhar no 24.
-
É aí, doutor, sem mais e nem menos. Não tem erro, pode acreditar.
O médico, bom
também de psicologia, inseriu-se no contexto do diagnóstico numeral de
Juvêncio.
-
E o 25, como está?
-
Está ótimo, doutor.
-
E o vinte e seis?
-
Ah, esse tá novinho em folha...
-
É aí mesmo doutor.
-
Pois, então, vou te dar este remédio que vai resolver.
Coincidentemente a droga
vinha num vidro com 24 drágeas e deveria ser tomada de 24 em 24 horas.
Juvêncio foi para casa feliz
e não mais se queixou.
Choveu, ventou, passou. Lá
um dia, depois de lauta feijoada e caipirinha generosa, Juvêncio voltou a
sentir dores intestinais. Mas não era bem no 24 – era mais para baixo. Fechou
os olhos tentando lembrar o mapa do corpo humano e os números dos órgãos –
memória era que não lhe faltava – e descobriu que seu mal, agora, era no 48.
-
Tens que voltar lá no doutor – sentenciou a mulher, do alto do seu
crochê, olhando a novela das sete.
-
Agora só segunda e hoje é sábado. Não vou incomodar o homem que deve
estar descansando...
-
É, mas daqui até lá, muita coisa pode acontecer – comentou a experiente
sogra, enquanto liquidava uma fornada de bolinhos de milho.
-
Mas eu não vou incomodar o doutor – disse, determinado, Juvêncio,
enfiado na bombacha de descansar.
-
E, sabe do que mais (?) – eu mesmo sei como resolver este assunto.
Me passa os comprimidos pra
cá – pediu, imperativo.
-
Mas esse são para o 24. Vêncio – alertou a mulher, levantando os olhos
da costura.
-
Não interessa. Me passa pra cá e traz um copo de leite.
Decidido, pegou duas drágeas
e tocou-as garganta a dentro, com um gole gordo de leite fervido que ele
próprio tirara na véspera.
-
Pronto – o que tem que ser vai ser...!
-
Credo, homem, tomaste o remédio do 24... – disse a cunhada, com voz
falseada e crítica nos olhos.
-
Então tá tudo certo. Meu problema agora é no 48 e tomei duas do 24 –
não tem erro...
E não tinha. Juvêncio melhorou, para pasmo geral de
sua platéia doméstica e assombro especial da medicina...
E siga o baile...
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