Quando
soube da morte de Isolda, sua amiga de credo e vida, Ledir levou a mão ao peito
e sentiu aquela angústia das perdas difíceis de repor. Um tsunami de tristeza
invadiu sua praia de tolerância e um grande alague de melancolia varreu a
planície de sua felicidade, levando tudo por diante. Um caos emocional digno da
mais cruel e catastrófica cinematografia
sentimental capaz de despertar as maiores comoções relacionais, estava
posto em cena, com direito a efeitos especiais e compungidos arranjos no
roteiro de uma fatalidade cênica.
Perder
alguém é deveras difícil. Perder uma amiga do peito – pessoa que por tantos e
gloriosos tempos foi parceira na fiação da existência cotidiana, era abismo
sepulcral, tirador de fôlego e alegria de viver.
A
vida, infelizmente, um dia nos apronta esse tipo de coisa e não há remédio
senão tentar remediar o imenso estrago.
Com
esse ânimo, com dores inconfessáveis, Ledir correu para o velório, na esperança
de pinçar uma réstia de luz na imagem inerte da amiga, que por força da memória
e do sentimento fraternal ainda quente, poderia esboçar um último e confortador
até breve.
Chegou
ao velório sofridamente, aproximou-se da amiga morta convenientemente escondida
sob leve manto no rosto, apertou sua mão desfalecida e pranteou copiosamente a
perda irreparável e inoportuna. Chorou como devem chorar as almas puras neste
vale das sofreguidões humanas.
No
entorno uma porção de circunstantes testemunharam, com olhares arregalados,
tamanha demonstração de carinho e dor.
Ato
seguinte, ao desvendar o rosto da amiga, chocou-se ao perceber que não era ela
que ali estava. Jazia naquele leito um ele, cheio de morte e mansidão.
Naquele
sepulcro intermediário deitava-se alguém que nem de longe lembrava a querida
amiga. Na encomendação desta para melhor ali repousava quietamente Ferdinando,
homem de muita história, e conhecidas e reconhecidas aventuras pouco ortodoxas
e cá, entre nós, ruidosa e escandalosamente amorosas. O que se dizia, sem
contestação, que o dito salafrário em vida tinha usado e abusado de seu
inefável poder conquistador. Homem de muitas mulheres e grandes bacanais.
Dizem
até que a família convencional (e legal) já tinha contabilizado os vértices, as
porções e os escapes desse inveterado Dom Juan. Naquele momento extremo estava,
em verdade tudo dominado e perdoado. A viúva, resignada, já tinha no caderno a
lista impublicável dos achegos e das amantes do safado pulador de muros.
Mas
naquele azo a história se complicou. Quem seria a loira, que derramava lágrimas
compulsivamente pelo desaparecimento do safardana?
Não
estava na lista. Não constava na relação. Quem seria essa, com tamanha força em
seu sentimento de perda, que constrangia os demais, com seus soluços ruidosos e
saudosos?
Ferdinando,
embora já do outro lado, aumentava, assustadoramente, os créditos de sua
condição conquistadora, deixando no ar uma aura desafiadora no contexto das
relações casamentais: - só na morte se saberá de fato toda a verdade – doa a
quem doer.
Será?
Chorar
em velório errado não tem o poder de mudar a história mas balança as
circunstâncias de nossa comezinha vida neste pedacinho de universo acidental.
Não
acreditam?
Chore
erradamente e topará com essa e outras verdades rigorosamente inenarráveis. A
vida e a morte cheias de surpresas – umas fazem rir, outras fazem chorar – de
rir...
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